segunda-feira, 6 de julho de 2009

A arte poética de Augusto dos Anjos


A arte poética de Augusto dos Anjos


GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luis de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS. gilfrancisco.santos@gmail.com

Augusto dos Anjos, autor de um único livro, Eu, publicado em 1912, obteve e vem obtendo a consagração popular através de sucessivas reedições. É uma das raríssimas exceções nas letras brasileiras, jamais ressuscitou: simplesmente porque nunca morreu. Augusto dos Anjos é o inventor dos contrastes, com suas permanentes paisagens, fortes e coloridas a dominar toda sua poesia; a fluir dos símbolos naturalistas e darwinianos.
Seus versos trazem mensagens de: humanismo sensibilidade, verdadeiros retrato da criatura humana asfixiada pela desgraça, inconformismo e desespero. Augusto viveu seus últimos anos num período de crises, às vésperas da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Modernista Brasileira, influenciada pelas vanguardas culturais européia. Seu poder de transfiguração, influenciado pelas correntes do começo do século, transfundiu sua sensibilidade por meio de intrigantes vocabulários, com uma cosmovisão de um mundo dentro duma atmosfera sinistra, extravagantes e perturbadora. Este poeta completa 95 anos de falecido, após ser acometido de forte gripe que se alongou por doze dias.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, filho do advogado Alexandre Rodrigues dos Anjos e D. Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, a Sinhá-Mocinha, os quais tiveram vários outros filhos, nasceu na Paraíba à margem do Rio Uma, no Engenho Pau-D’Arco, próximo a Vila do Espírito Santo, a 20 de abril de 1884, numa época onde o ambiente socioeconômico e político se transformava no país e morre de pneumonia em Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, às 4 horas da manhã de 12 de novembro de 1914.
Inicia os estudos de humanidades em 1900 no Liceu Paraibano, onde incerta seu convívio com o amigo Órris Soares. Neste mesmo ano publica o poema Saudade, escrito em 1899 num almanaque do Estado da Paraíba, o qual marcaria sua estréia no cenário literário paraibano, e aparecem suas primeiras composições poéticas no jornal conservador O Comércio, da cidade da Paraíba (futura João Pessoa), onde publicou inúmeros poemas. E três anos depois ingressa na Faculdade de Direito de Recife, bacharelando-se em 1907, tendo como colega o escritor Gilberto Amado.
Fase – Em julho de 1910. Casa-se com D. Ester Fialho com quem teve dois filhos, é o ano em que se conflita com o Governador do estado, João Machado, causando-lhe o afastamento do Liceu Paraibano, coincidindo com sua transferência de residência para o Rio de Janeiro, onde vive como professor do Ginásio Nacional e da Escola Normal.
Em sua fase inicial, o poeta do Engenho Pau D’Arco, sofre influência marcante do simbolismo, cujas figuras principais eram Cruz e Souza e Alphonsus de Guimarães, que tinham colaborações na imprensa paraibana, tanto em O Comércio como na União, jornal também dedicado à divulgação de obras poéticas.
Descoberta – O simbolismo veio trazer descobertas verdadeiramente revolucionárias ao processo cultural da poesia, através de exploração do inconsciente e do subconsciente, e teve seu momento mais expressivo da poesia de vanguarda, iniciada na França em 1886 por Jean Moréas, Verlaine, Mallarmé e Rimbaud, que se tornou público no Brasil em 1893 com os livros Broquéis e Missais de Cruz e Souza, poeta maior do simbolismo brasileiro.
Augusto se apaixona e aproxima-se dos simbolistas, podemos perfeitamente identificá-lo, podemos ainda encontrar em seus versos, os vermes do poeta maldito Baudelaire, de terminologia ousada, os tremores alucinóides os quais se aproximam dos ritmos macabros de Augusto.
Emoções – Os simbolistas procuraram exprimir todas as emoções de forma mais despojada de toda eloqüência e se aproximam de maneira impressionante da música, pela musicalidade de sua forma. Através da Folha Popular, publicado no Rio de Janeiro em 1891, um pequeno grupo formado por Bernardino Lopes, Oscar Rosa, Cruz e Souza e Emiliano Perneta, este assinara um artigo manifesto inaugurando o primeiro e principal grupo simbolista brasileiro. O simbolismo é uma arte requintada, preciosa e delicada que se dirige a uma pequena elite, e neste dilatado período, talvez Augusto dos Anjos tenha fundido suas cucas e seja inclassificável.
O Panorama ideológico define o simbolismo como um movimento de transição. Sua poesia é científica de linguagem especializada, específica e perfeita pela clareza das idéias. Eu, passou despercebido apesar de reeditado; sua classificação diante dos movimentos estabelecidos é controvertida, sendo classificado como simbolista devido à época em que ele viveu e a voga do simbolismo, mas aproxima-se do realismo-naturalista, de uma riqueza vocabular nunca vista entre nossos maiores poetas. Sua poesia esotérica de erudição mística carregada de imagens fantásticas, que por sua vez não há nele o caráter existencial, ou a exigência de essencialidade que existe em Rimbaud, Verlaine ou Mallarmé.
Fama – A publicação do Eu, edição particular, contendo 56 poemas, custeada pelo poeta e seu irmão Odilon, constando de mil exemplares e péssima distribuição, escandalizou-os poucos leitores e aos críticos como A Tribuna, O País, Gazeta de Notícias, registro Literário, Jornal do Comércio e tantos outros. A partir da publicação de Eu, Augusto começa a adquirir fama, saindo das sessões literárias para os comentários policiais, apesar do livro continuar encalhado nas livrarias e inicia a escrever novos poemas para um novo livro.
Depois de sua morte, se estendeu sobre seu nome e sua obra um silêncio profundo, apesar de ser incluído na antologia dos Sonetos Brasileiros, em 2ª edição com o poema O Morcego, organizada pelo sergipano Laudelino Freire, publicada na França em 1916, o qual recebeu o prêmio da Academia Brasileira de Letra em 1919, além da reedição do Eu (Eu e Outras Poesias); coligida por seu amigo Órris Soares que preparou e prefaciou a edição acrescendo mais 48 poemas, publicado na Paraíba em 1920, é que o poeta passa a ser considerado pela crítica. Mas, a consagração póstuma de Augusto dos Anjos só ocorreu em 1928, a partir da terceira edição, que ele começa a ser realmente vista pelo leitor comum. Daí em diante o Eu, passou a despertar tanto a crítica como os leitores e inúmeras edições foram publicadas em memória deste grande e importante poeta brasileiro.
Observação – Antonio Houaiss, num dos melhores trabalhos já publicados sobre o poeta nos fez uma observação quando se fala em edição: na realidade deveria se disser reimpressão ou nova tiragem. Zenin Campos afirma que na 14ª edição de 1946, o livro alcança quase a casa dos trinta mil exemplares vendidos. Hoje se encontra com mais de 40 edições.
A revisão da descoberta da arte poética de Augusto dos Anjos, recentemente pela crítica por quatro trabalhos da maior importância que enfoca vida e obra: o primeiro, um estudo minucioso do biógrafo já falecido Raimundo Magalhães Júnior, o segundo um estudo crítico do poeta maranhense Ferreira Gullar, o terceiro outro ensaio de Antonio Houaiss, já em 3ª edição e finalmente Augusto dos Anjos: Poesia e Prosa, de Zenin Campos Reis.
Amargura – Esta figura controvertida e mística, solitária e amarga, vivia de lecionar literatura, primeiro na Paraíba, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que tanto tem desafiado o tempo e os críticos, teria ele sido influenciado pelo materialismo dos filósofos Hegel e Spencer, gerado por um trauma emotivo passional, que seria o motivo da grande carga de amargura contida em seus versos.
O laboratório poético de Augusto dos Anjos desdobra-se na gravidade de sua linguagem, um idealista científico, um mistério cósmico. O Eu, segundo Órris é um livro de sofrimento, de verdade e de protesto. Pode-se afirmar sem nenhum receio que Augusto dos Anjos dispensa maiores comentários.

Dois Sonetos de Augusto dos Anjos


Vandalismo
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

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Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga
Escarra nessa boca que te beija!

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