GILFRANCISCO:
jornalista, professor universitário e membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Diretor de Imprensa da Associação
Sergipana de Imprensa. gilfrancisco.santos@gmail.com
p/Josimeire
Brazil
Homem
Homem tímido, modesto, extremamente reservado, sempre voltado para a família para a criação literária. Assim era o contista Vasconcelos Maia, viveu sem atropelar ninguém, sem inveja de espécie alguma, com pureza de coração e grandeza de atitudes. Defendia o seu pequeno mundo da intromissão de quem lhe pudesse perturbar o trabalho e a convivência no doce afeto doméstico. O conheci através do poeta Carlos Sampaio no final dos anos setenta, mas até aquela data nada tinha lido da sua produção literária. Fizemos camaradagem e a amizade se estendeu depois que passei a freqüentar as sessões da Academia de Letras da Bahia. Creio ser a partir de 1982 quando passeia a trabalhar no Museu de Arte Moderna – solar do Unhão, com Francisco Liberato de Mattos que nos aproximamos mais e descobrimos o prazer de uma boa amizade.
Às vezes
ficávamos a tarde inteira na ALB conversando com Carlos Cunha e Claudio Veiga,
depois saíamos andando pela Av. Joana Angélica até desaguar no Porto do
Moreira. Vasconcelos apreciava um bom vinha, almoçamos algumas vezes no
restaurante Bella Nápolis, na Rua Nova de São Bento e degustamos um vinho muito
popular na época “Château Duvalier”. Com
Vasco fiz companhia juntamente com alguns turistas ao restaurante Tenda dos
Milagres (casa de espetáculos), localizada no bairro de Amaralina, pertencente
ao filho. Lembro-me que em outra ocasião almoçamos em seu restaurante que
ficava no1º andar da sede da Companhia de Navegação Baiana, em homenagem ao
amigo Adonias Filho que veio a Salvador realizar uma conferência na Fundação
Cultural. Estiveram presentes Olívia Barradas (Presidente da FCEB) Edilene
Matos (Delit), os poetas Carlos Anísio Melhor e Silva Dutra os escritores Maria
da Conceição Paranhos e Hermano Gouveia e o colunista social Missael Tavares.
Vasconcelos Maia foi o responsável pela introdução das baianas de acarajé nos
lançamentos da ALB.
Caderno da Bahia
Carlos
Vasconcelos Maia nasceu em Santa Inês, município do sudoeste baiano, em 20 de
fevereiro de 1923, e faleceu em Salvador, em 14 de julho de 1988. Fez estudo
secundário (incompleto) e especializou-se em turismo e teve papel relevante no
desenvolvimento desta atividade na Bahia. Foi diretor do Departamento de
Turismo da Prefeitura de Salvador (1959-1964), do serviço de Turismo da
Companhia de Navegação Baiana, Assessor da Fundação Cultural do Estado da
Bahia, a partir de 1983 até seu falecimento.
Terminada a
Segunda Guerra Mundial e conseqüentemente liquidada a ditadura Vargas com suas
restrições à cultura, apareceram no Brasil, revistas novas, sem cunho
comercial, tiragem pequena, difusoras de idéias novas e dos trabalhos dos seus
organizadores, que naturalmente não tinham fama, mas estavam cheios de
idealismo: Joaquim (Paraná); Clã (Ceará); Revista Branca (Rio de Janeiro);
Região (Pernambuco); Quixote (Rio Grande do Sul) e Sul (Santa Catarina). Enfim
uma nova fase do modernismo chegava à Bahia. Sucedem-se as exposições de jovens
artistas locais; surge a Galeria Oxumaré, no Passeio Público, o ambiente
literário era sacudido por uma importante publicação de imprensa cultural,
associada ao trabalho da nova geração de artistas plásticos.
Era o
periódico Caderno da Bahia (1948-52)
revista de cultura e divulgação, dirigida por pessoas com maior maturidade com
mais experiência de vida jornalística, entre eles Vasconcelos Maia, Claudio
Tuiuti Tavares (irmão de Odorico Tavares), Darwin Brandão, Wilson Rocha e
contava, ainda com uma valiosa equipe de ilustradores: Mario Cravo Junior,
Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Hélio Vaz e Ladislau Bartok. A revista
Caderno da Bahia, apesar de ter publicado seis números e um suplemento, durou
pouco tempo, seguindo a tradição de todas as publicações literárias no Brasil,
com raríssimas exceções, apesar de renovar o ambiente cultural de Salvador divulgando
artistas e intelectuais como, entre outros, Jenner Augusto, Rubem Valentim,
Heron de Alencar, Jair Gramacho, Nelson de Araújo e Pedro Moacir Maia. O grupo
envolvido pela publicação da revista publicou vários livros, igualmente ao
grupo Ala das Letras e das Artes
liderado por Carlos Chiacchio.
O Contista
O emprego do vocábulo “conto” sofreu as vicissitudes históricas experimentadas pela forma, designava a simples enumeração ou relato de acontecimentos, sem vincular-se particularmente a determinado tipo de expressão literária. A grande prosa modernista viria, sobretudo, do Nordeste, e o conto serviu para a descoberta do espaço brasileiro: os flagrantes da Cidinha do roceiro, suas pequenas aspirações, os limites de suas ações nas terras do patrão, sua linguagem pitoresca, enfim a estrutura do conto se adequava exatamente à expressão de cor local.
Vasconcelos me confessou por mais de uma vez ser leitor e admirador de Xavier Marques, principalmente das suas histórias praieiras. Nessa época eu ainda não lido nada de Xavier Marques para aprovar ou não esse romancista ainda pouco conhecido até mesmo na Bahia. Apenas li o trabalha acadêmico de David Salles, O Ficcionista Xavier Marques (1977). Fui ler o romancista baiano somente em 1987, quando conheci Gumercindo da Rocha Dórea, na ALB durante o lançamento do livro A cozinha Baiana, de Hildegardes Viana, que depois de queixar-me presenteou-me com três títulos do mestre: Jana e Joel; Praieiros e O Feiticeiro, todos editados por ele. A partir da leitura pude perceber a influência de Xavier Marque nos contos praieiros de Vasconcelos Maia.
O contista baiano Vasconcelos Maia é o autor que mais participa de antologias no Brasil e no exterior, seus contos foram publicados em italiano, francês, alemão, búlgaro, russo e japonês. E quando isso acontece com um escritor de qualidades literárias indiscutíveis, então nos surpreendemos e nos gratificamos com a surpresa. Seus contos continuam sendo o mais fiel espelho de certa realidade sensível, imediata, da Bahia. Sem dúvida, formará aos leitores sugestões interessante para uma resposta, porque para um público sempre atento aos seus próprios mitos e tragédias.
O romancista e poeta Clovis Amorim (1912-1970), autor dos romances O Alambique e Cão de Massapê, integrante da Academia dos Rebeldes, considerado um dos maiores epigramistas baianos, em pleno lançamento de O Cavalo e a Rosa, na Livraria Civilização Brasileira de Salvador, escreveu o seguinte epigrama:
O Cavalo e a
Rosa é o título
Do teu
livrinho de prosa.
Lendo o primeiro capítulo,
Vi que tu não és a rosa.
Lendo o primeiro capítulo,
Vi que tu não és a rosa.
Vasconcelos Maia pertence a uma espécie de escritor pouco freqüente na Bahia. É um intelectual que desde o início da carreira optou pelo conto como o melhor meio para comunicar seus achados. Sua trajetória como contista não reconhece caminhos fechados, em suas aventuras transita à vontade por terra e mares da Bahia, tanto pelos caminhos dos Orixás como pelas ruas de São Salvador ou praias do recôncavo baiano. Seu compromisso é vital, não setorial. Relata uma forma de comunicação mais convincente, mais completa, capaz de transmitir experiências e intenções através dos personagens criados, recuperando a memória de sua estreita convivência com nativos das Ilhas do recôncavo. Esta comunicação se adensou e se consolidou de tal forma que não remete mais a qualquer coisa fora dela mesma. Os contos se constituem como linguagem no seu sentido mais estrito.
Hélio Pólvora no livro Itinerário do Conto (2002), capítulo dedicado a Vasconcelos Maia e contistas novos da Bahia, considera-o um ficcionista empenhado na busca e fixação da chamada cor local: “Quero dizer, uma ficção baiana não apenas nos temas e nas cores, mas, sobretudo no pathos, na linguagem e na expressão da maneira de viver, de ser, de sentir.”
Obras
Vasconcelos publicou: Fora da Vida (1946); Contos da Bahia (1951); Feira de água de Menino (1951); O Cavalo e a Rosa (1955); O Primeiro Mistério (1960); O leque de Oxum (1961); História da Gente da Bahia (1964); ABC do Candomblé (1978); Cação de areia (1986); Romance de Natal (1986); Sol, Terra, Mar (2000). Seus contos foram publicados em várias revistas do país: Ângulos; Revista da Bahia, A Cigarra, Revista de Cultura da Bahia (CEC), Porto de Todos os Santos, Revista América, Revista Exu, Revista da Academia de Letras da Bahia, além de manter colaboração nos jornais A Tarde e no Jornal da Bahia (1958-1964), onde manteve a coluna Dia sim, Dia não, publicando mais de seis centenas de crônicas jornalísticas.
Apesar da existência de alguns trabalhos acadêmicos desenvolvidos em Faculdades e Universidades locais, Vasconcelos Maia está a merecer reedição de suas obras, acompanhada de estudos críticos, clama por um reconhecimento maior, para que as novas gerações tomem conhecimento dos seus contos, onde o domínio é dos mares da Bahia e da sua gente. Vasconcelos Maia foi um escritor, quer o contista, quer o cronista, que viveu como que se consumindo numa fogueira constante. Em toda a sua ficção assiste-se a essa permanente luta das personagens pela compreensão dos seus destinos, única caminha da própria libertação.
Historiar a
presença e evolução de Vasconcelos Maia como contista no cenário baiano, não é
tarefa fácil, não apenas pela qualidade dos seus contos, como pelo fato de
mostrar a paisagem urbana e marítima da Bahia. O crítico e jornalista carioca
Constantino Paleólogo analisando O
Cavalo e a Rosa (1955) afirmava nas páginas da revista a Cigarra:
“Vasconcelos Maia vem confirmar de maneira definitiva a posição que ocupa na
moderna literatura brasileira, como um dos nossos melhores contistas.” Para
terminar gostaria de lembrar que contos com tal densidade, clareza,
complexidade, profundidade, só poderia ter sido escrito por um homem raro que
sabia conciliar duas paixões em geral opostas: o amor à ficção e o respeito à
ciência.
Um comentário:
Belo Texto: Coerência de dados de um pesquisador, carinho autêntico de um amigo. Vasconcelos Maia sentiria- se homenageado. Sinto-me honrada pela generosidade em compartilhar tais informações. Um grande abraço,
Josimeire Brazil
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