sábado, 29 de maio de 2010

EU SERGIPANÊS

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luis e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

“Quem conhece GILFRANCISCO, assim mesmo, sem sobrenome, como Gilvicente ou Sêneca, ou Pelé ou Tomzé, talvez o veja como uma espécie de intruso. Estamos numa roda de conversa e ele vai chegando, sorrateiro, tímido, e logo vai ocupando espaço. Mas não sem a delicadeza de quem chega, com o cuidado de quem pisa numa terra de muros baixíssimos (a afirmação é por minha conta e risco). Digo intruso porque ele é baiano e ainda carrega aquele sotaque provinciano, um cantado e chiado do sul da Bahia (uma vingança minha, porque, quando eu morava em Salvador, eles faziam troça com meu “sergipanês” – vejam só!).
Luciano Correia / 18 de outubro de 2002.


Lembro-me perfeitamente que o primeiro livro da literatura sergipana que li foi do capelense radicado na Bahia, Nélson de Araújo (1926-1993), “Companhia das Índias – farsa em três capítulos“, em 1969, ano do meu alistamento militar, primeira e única detenção no Quartel de São Joaquim e do ingresso como servidor público na Reitoria da Universidade Federal da Bahia, reitorado do professor Roberto Santos. Este mesmo livro fora editado anteriormente (1959) pela Livraria Progresso Editora/UFBa/Cadernos da UBE, coleção Paralelo 13, nº 3, em formato de bolso, tinha uma cuidadosa capa de Lênio Braga. Na época da publicação, o livro teve grande repercussão, devido à sua encenação em 1958, no Teatro Santo Antonio (Escola de Teatro da UFBA), e muitos desses livros ficavam amontoados no minúsculo Departamento Cultura (no subsolo da Reitoria), dirigido pelo professor e antropólogo espanhol Valentin Calderón, diretor do Núcleo de Publicações da UFBA.
Após a leitura, meu pai Odilon Francisco dos Santos (dorense e funcionário da Reitoria) colocou-me em contato com Nélson, professor da Escola de Teatro e editor das publicações do núcleo. O livro trata, através da sátira, das revoluções sul-americanas e, quando publicado em 1959, mereceu um brilhante artigo do jovem cineasta baiano, Glauber Rocha, que pela repercussão dos comentários nos círculos literários foi republicado na Revista Leitura, no Rio de Janeiro, em dezembro desse mesmo ano. Eu não imaginaria que décadas depois moraria em
Sergipe dedicaria- me aos estudos literários e culturais sergipanos e escreveria um livro sobre o amigo Nélson de Araújo.
Aportado em Sergipe no início de janeiro de 1996 para chefiar o Departamento e a Coordenação do curso de Letras da Universidade Tiradentes – UNIT recorri imediatamente à Biblioteca Pública Epifânio Dória e ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS, instituições responsáveis pela preservação da memória cultural do Estado de Sergipe e dei início à leitura de vários autores sergipanos começando pelo dicionário Bio-bibliográfico de Armindo Guaraná (1924), hoje, de fácil acesso, por ser encontrado digitalizado. Depois, com muita dificuldade localizei um exemplar de “O Realismo Social na Poesia em Sergipe”, de Austrogésilo Santana Porto (1960) e seguir em frente com a História da Literatura sergipana, Vol. I – fase colonial (1971) e o Vol. II – fase romântica (1986), de Jackson da Silva Lima.
Outro aspecto importante para o desenvolvimento do meu trabalho foi o constante contato que mantive durante todo esse tempo com historiadores, pesquisadores e escritores locais. A partir de 1998, levado pelo radialista Ludwig Oliveira passei a colaborar com o Jornal da Cidade, onde já publiquei quase uma centena de artigos sobre a memória cultural do Estado, material que faz parte do livro ainda inédito “Sergipe & Sergipanos”. Com a morte do folclorista e historiador José Calasans Brandão da Silva (1915-2001), com quem havia trabalhado a partir de 1976, na coordenação de Extensão da Universidade Federal da Bahia, organizei o livro “José Calasans, um historiador contumaz” reunindo mais de oitenta textos sobre a obra do autor de “Cachaça Moça Bonita – um estudo de folclore”. Em 2003, a convite do editor do Correio de Sergipe, Giovani Allievi, coordenei o Suplemento Especial “Memórias de Sergipe”, reunidos em seis números importantes informações culturais, políticas e socioeconômicas, distribuídos em pares de fascículos (1 e 2) Educação, (3 e 4) Cultura, (5 e 6) Política.
Em fevereiro de 2004 fui admitido nas revistas Aracaju Magazine e Nordeste Magazine (revista de bordo da Vasp), ambas editadas pelo Publisher Hugo Julião. Na primeira colaborei a partir do número 100 (Edição especial) até o número 116/2005 e, na segunda, nos números 6,7 e 8. Nesse período elaboramos o projeto editorial “Sergipanos Ilustres” para publicarmos cinqüenta bio-bibliografias de autores sergipanos. Dos títulos da coleção, somente “Jordão de Oliveira”, de Marcelo Ribeiro foi publicado em 2006, pela Secretaria de Estado da Cultura/BR-Petrobras. Seguindo as pistas e dicas de Jackson da Silva Lima, cheguei aos primeiros documentos sobre as manifestações modernistas em Sergipe, poemas publicados no jornal A Razão, de Estância, em 10 de junho de 1928, de Abelardo Romero e José Maria Fontes. Por esse período localizei o artigo “O Futurista” de Heribaldo Vieira, datado de Recife (12, junho de 1923) e publicado no Correio de Aracaju em 26 e 28 de março de 1924, resultado do artigo “O Modernismo Literário em Sergipe”, publicado na revista Aracaju Magazine, em junho de 2004.
As pesquisas se intensificaram nesse ano de 2003 quando redescobri mais um sergipano apagado pelo tempo, o estanciano Raimundo Sousa Dantas, primeiro negro nomeado embaixador do Brasil em Gana (África), em seguida publiquei um artigo sobre ele na revista Aracaju Magazine, número 100 (fevereiro de 2004). Nesse mesmo ano iniciei as pesquisas sobre Bernardino José de Sousa (1885-1949), sergipano de Cristinápolis, radicado na Bahia em sua juventude, ainda desconhecido em seu Estado, deixando publicados vários livros: Dicionário da Terra e da Gente do Brasil, O Pau Brasil na História Nacional, Ciclo do Carro de Boi no Brasil. Reuni textos esparsos de Bernardino publicados em vários periódicos e também sobre sua obra. Graças à colaboração do amigo Gildeci de Oliveira Leite, professor de Literatura Brasileira da Universidade do Estado da Bahia – UNEB (Seabra), que disponibilizou alguns estagiários para digitar todo material por mim recolhido. Imediatamente publique o artigo “Bernardino de Sousa, grande cientista social”, no Jornal da Cidade, em 1º e 2 de julho de 2007 e republicado com o título Bernardino de Souza, um anônimo na historiografia sergipana na revista Ícone n.11. abril/maio. 2010.
Entre 2005/2006, quando preparava a revisão dos originais de “Poemas de Enoch Santiago Filho”, tive conhecimento da obra esparsa (poesia e prosa), do seu pai Enoch Matusalém Santiago (1892-1957), que muito me impressionou, através de suas crônicas publicadas nos anos vinte. Organizei toda sua obra distribuída em mais de quinze periódicos, e dei o título de “Enoch Santiago: Palavras Verdadeiras”, depois publique um artigo com o mesmo nome no Jornal da Cidade, em 17 de fevereiro de 2007, republicado em livro na Série Presidentes do Poder Judiciário, organizado por Ana Medina, em 2008. Em 2006 iniciei as pesquisas sobre a obra de Alina Paim e publiquei “A romancista Alina Paim” no Jornal da Cidade, em 20 e 21 de abril e, somente no final do ano de 2007 é que a localizei residindo no Mato Grosso, aos oitenta e oito anos a romancista estanciana, Alina Paim, tida como falecida, por alguns. Aproveitando a rara oportunidade entrevistei-a para o Cinform, gerando a matéria “A redescoberta de Alina Paim”, publicada nas edições de 21 a 27 de abril de 2008, republicada na Revista eletrônica www.cronopios.com.br A partir de abril de 2007, a convite do diretor de jornalismo do Cinform, Jozailto Lima, passei a colaborar semanalmente com o Cinform on-line, onde já publiquei mais de setenta artigos e muitos são dedicados à literatura sergipana. Entre 2009/2010, passei a colaborar na revista Ícone com uma série de artigos sobre literatura sergipana.
Atualmente preparo um material sobre revistas sergipanas modernistas (século XX) para inclusão no livro Pontos Cardeais do Modernismo Brasileiro, de Gilberto Mendonça Teles que será publicado no próximo ano, em Portugal. Parafraseando Pinheiro Viegas, o velho sábio da Academia dos Rebeldes: a universidade está cheia de pensantes e poucos pensadores, a todo instante chegam professores de outros Estados, que não conhecem a literatura sergipana, alguns se arriscam a falar sobre ela, e os que são daqui dão pouca ou nenhuma importância, simplesmente não demonstram interesse.
Foram muito importantes para o desenvolvimento da minha pesquisa as constantes conversas, a troca de informações sobre o desenrolar dos trabalhos e, nunca tive cerimônia de solicitar ajuda pessoalmente ou por telefone a Wagner Ribeiro, Célio Nunes, Maria Thétis, Maria Nely, Ibarê Dantas, Luis Antonio Barreto, Jackson da Silva Lima, dentre outros. Tudo isso é uma tentativa de reabilitar esses escritores, são doze anos de pesquisa intensa e muitas leituras para chegar aos textos esparsos e inéditos de Enoch Santiago Filho, José Calasans, Bernardino de Sousa, Enoch Santiago, Renato Mazze Lucas, Ranulfo Prata, Paulo Carvalho Neto, Nélson de Araújo e Alina Paim. Realizei também alguns prefácios para livros de autores sergipanos: Poemas Irregulares, Marcelo Ribeiro (2007); Bestiário da Poesia Brasileira, Leonardo Alencar (2009), Obra Poética Reunida, Araripe Coutinho (2010); A Reutilização das Pedras, Thiago Martins Prado (2010) e Microcontos, Célio Nunes (2010). Uma rápida passagem pela Segrase-Serviços Gráficos de Sergipe, como consultor editorial da Editora Diário Oficial, resenhei todos os títulos por ela publicados, e publiquei um texto não assinado na abertura do Calendário - 2010, ilustrado pelo artista plástico sergipano, Leonardo Alencar, em homenagem aos 50 anos de suas atividades, além de coordenar o primeiro número do suplemento cultural Armazém Literário (não publicado) encarte do Diário Oficial do Estado de Sergipe, cujo tema estabelecido foi a Sergipanidade. Disse no editorial que: "É com orgulho que apresentamos o suplemento cultural com esta edição de número 1, pensada para mostrar um painel da diversidade da nossa sergipanidade no cotidiano de nossas vidas. Mais uma vez, a Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe faz um trabalho vigoroso intelectualmente, à altura de seus leitores. Vale a pena guardá-lo. Armazém Literário é, portanto, um espaço de autores contemporâneos, publicando desde os que já têm reconhecimento mais amplo em nível nacional, até aqueles que estão começando suas obras, em busca de reconhecimento local. Quem quiser este periódico para mostrar sua opinião, sempre poderá contar com ele. Aguardamos suas críticas, elogios e sugestões".
O resultado dessa trajetória, desse esforço individual e coletivo foi o reconhecimento pelos serviços prestados pelo resgate da memória cultural de Sergipe: Os 50 homens mais influentes de Sergipe (2006), e Personalidade Destaque de Sergipe (2007), ambos como homenagens da Revista Educação Superior – Nordeste, além da Medalha do Mérito Cultural Ignácio Barbosa concedida pela Prefeitura Municipal de Aracaju, em maio de 2008, dois meses depois ele recebeu o título de Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS. Em outubro, recebi na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, o Prêmio Veríssimo de Melo, concedido pela União Brasileira de Escritores no quesito Melhor Publicação de Pesquisa e Biobibliografia. Em dezembro deste mesmo ano recebi "Prêmio Outras Palavras", na categoria escritor do ano, concedido pela TV Cidade – Canal 20/NET, por ocasião dos sete anos do programa e dos 40 anos do apresentador Araripe Coutinho. Este ano em 20 de agosto, sexta-feira receberei o título de cidadão aracajuano concedido pela Câmara dos Vereadores de Aracaju, por iniciativa do vereador do Partido dos Trabalhares, Francisco Santos (Chico Buchinho). Mas toda essa trajetória deve-se aos editores que muito contribuiu para este momento: Aline Braga, Flávia Martins, Giovani Allievi, Hugo Julião, Jacy Cruz, Jozailto Lima, Luiz Melo e Marcos Cardoso.
Com este depoimento, encerra-se um ciclo quattuordecim. Sobre Sergipe foram publicados: Flor em Rochedo Rubro – o poeta Enoch Santiago Filho (2005), O poeta Arthur de Salles em Sergipe (2006) Literatura Sergipana, uma literatura de emigrados (2007), Enoch Santiago:Palavras Verdadeiras (2008), A romancista Alina Paim (2008), O Contista Renato Mazze Lucas (2008). Quero aproveitar a oportunidade para confessar um inadiável e tardio assunto: o bom crítico é tão raro quanto o bom poeta. Estarei em breve noutras paragens, pesquisando e estudando outras literaturas. Acabou a tinta da pena após quatorze anos dedicados a memória cultural de Sergipe.

IMORTAL POETA AMARAL CAVALCANTE

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

"Um Instante Amarelo é o embrião de uma obra de maior fôlego, que prenuncia o início promissor da caminhada poética de Amaral Cavalcanti".
Jackson da Silva Lima




Foi no final da década de 90 de século passado que tive o prazer de conhecer Antônio do Amaral Cavalcante através de apresentação dos amigos Antônio Passos e Luciano Correia. Ocorreu inesperadamente no Bar do Cajueiro – ponto de encontro habitual da intelectualidade sergipana na época. Lembro-me das presenças do artista plástico José Fernandes e do radialista Ludwig Oliveira. Conversaram sobre tudo. Eu na qualidade de ouvinte atento, recém chegado à Aracaju, aprendia as história da terra do poeta Enoch Santiago Filho (1919-1945). A esse tempo não tivemos, maior aproximação, apesar de nunca ter colaborado no jornal Folha da Praia, marco no jornalismo alternativo de Sergipe, que está completando trinta anos, por várias vezes fui convidado. Tornei a reencontrá-lo em 2007 como colaborador do Cinformonline.

Simãodiense nascido em 11 de julho de 1946, filho de José Cavalcante Lima e Corina Hora Amaral, viveu em Itaporanga d'Ajuda até os dez anos, época em que conhece a obra dos poetas José Sampaio (1913-1956) e José Augusto Garcêz (1919-1993). Após estudar dois anos na Escola Agrotécnica do Quissamã como aluno interno, conclui o ginásio em Simão Dias, no Ginásio Carvalho Neto, época em que desenvolve atividades teatrais, literárias e publica seus primeiros poemas no jornal A Semana.

Residindo em Aracaju onde veio estudar o curso secundário no Ateneu, ingressou na Academia dos Jovens Escritores, que tinha a orientação da professora, poeta e cronista Carmelita Fontes. Inquieto desde menino, Amaral Cavalcante fêz política estudantil, em grêmio, teatro e cinema. Teve participação intensa no movimento de contracultura de Sergipe, com Mário Jorge (1946-1973), Ilma Fontes (1947), Mara Lopes (1951), juntos criaram o primeiro jornal alternativo de Aracaju, Margilino. Pertencente a geração do Clube Sergipano de Poesia, do qual faziam parte Núbia Marques (1927-1999), Gizelda Morais (1939), Hunaldo Alencar (1942) e outros. Em 1968, foi finalista do Concurso José Sampaio, promovido pelo Clube Sergipano de Poesia, em 1970, no I Concurso de Poesia Falada do Nordeste, conquistou o título de melhor poeta nordestino com o poema Romance da Aparição. Em 1978 particupou como ator e produtor do longa metragem Sargente Getúlio. Ainda nesta década exerceu as funções de Diretor de Promoções do Departamento de Turismo de Aracaju e da Galeria de Arte Álvaro Santos. Presidente da Fundação Estadual de Cultura (FUNDESC), foi ainda membro do Conselho de Cultura do Estado, da Associação Sergipana de Cultura e do Clube Sergipano de Poesia. Em 2010, foi eleito para a Academia Sergipana de Letras, ocupando a cadeira n.39, pertencente a professora e historiadora Maria Thétis Nunes. O poeta Amaral Cavalcanti, tem poemas publicados em duas antologias:Poesia Sergipana, organizada por José Olyntho e Márcia Maria, 1988 e A Poesia Sergipana no Século XX, organizada por Assis Brasil, 1998, além de dois títulos inéditos: Desvãos (memórias de infância e da vida de Aracaju) e De bar em bar.

Instante Amarelo, Edição da Secretaria de Educação e Cultura do Estado/Editora Regina, 57 páginas, capa de Lineu Lins, 1971, livro de estréia do poeta Amaral Cavalcante, saudado pela crítica, são descrições e relatos dos desacertos dos homens e desconcertos do mundo. São as indignações e asperezas, mas também compreensão e amor. Dividido em quatro partes: tempo de urgência, inesperado agosto, poemas extensivos e romance da aparição. Uma poética densa, fruto de um poeta que há muito se vem afirmando com um dos nomes de destaque da literatura sergipana atual. Amaral Cavalcante escreve poesia como fatalidade do existir, com emoção, técnica e conhecimento, musicalidade e ritmo. Cada etapa na sua criação é sempre fruto de intenso labor. As palavras e o conteúdo de sua poesia, plenos de musicalidade e força mística, refletem idéias e sentimentos de clareza cristalina. O poeta sergipano sabe como poucos que a criação demanda bem mais que trabalho, tempo e entrega. Fatalmente andará, como toda a sua linguagem, espalhando nos quadrantes da poesia de todos os tempos, as paisagens interiores, indagações que irão acompanhar o universo íntimo de cada leitor, até a última virada de página.

Dono de um olhar que capta a estranheza da vida, Amaral Cavalcante é um poeta que busca as raízes, um poeta de bom gosto e de boa conversa, intenso como uma revoada de pássaros com uma poesia nas asas da imaginação, no embalo da indignação, um conhecedor da natureza. Sua grandeza está em si mesmo, na sua maneira de ser, na determinação de vencer cada etapa de uma vitória caminhada. Instante Amarelo é carregado de lirismo, ironia e resistência. Sua rima é sentimental e cheia de efeitos, a dor do mundo, a tristeza e a sentimentalidade misturam-se à ironia e ao sarcasmo. O livro trás a essência poética de sua primeira fase, uma espécie de viagem de memorização, preocupado em encontrar um caminho próprio, fora dos cânones tradicionais, por isso encontramos elementos estéticos do passado e da modernidade.

Após escrever poemas, inúmeros ensaios, resenhas, prefácios, crônicas e tantos outros textos, cuja reunião em livro se faz urgente e certamente, deverá ser obrigatória para se compreender melhor a literatura sergipana. Assim quero deixar registrada a comprovada e mais que permanente presença nas letras sergipanas, pelo reconhecimento e vera emoção por tudo que lhe devemos. A poesia de Amaral Cavancante se apresenta a si própria. E se apresenta livre, de longa vida. O impulso incendiário dessa viagem sem planos mantém esse corte: seus poems se escrevem contra a corrente da linguagem dominante na época.

Sabemos que grande parte da magia e da beleza da poesia de Amaral Cavalcante provém, é claro de seu sentido. O que encontramos em Instante Amarelo, é a dispensa da pontuação, seus versos são sem vírgulas, pontuação ou interrogação. Tudo neste poeta substantivo e vertebrado, consistentemente fiel a uma escolha permanece como marca de origem. Aqui se esconde uma teia infinita de raízes, um entrançado de sentidos, um lirismo quase puro como o sorriso do poeta. Cabe ao leitor deste Instante Amarelo extrair o melhor, o suco, a nata, o essencial de sua poesia:


mensagem

renascida de gritos
a madrugada despertou no leste

como se fosse agora
o instante legendário das batalhas

decisivo e urgente

(beijo de sol na rubra flor de sangue
despetalada sobre sobre a hera verde)

será preciso caminhar com ela
que toda madrugada é um chamado
e o leste encandescido é umanúncio
dos que na noite semearam cantos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A CASA DAS AUSÊNCIAS OU A ASTÚCIA DA MÍMESE

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com



O hábito de fazer poemas tem uma longa história, começa com os gregos antigos que muito antes de nós, já haviam descoberto a importância das artes e da poesia na vida dos homens. Foram os primeiros a dividir a literatura em três grandes gêneros: o lírico, o drama e o épico. O gênero lírico era a mais direta expressão da alma: falava do amor e da tristeza, da dor e da alegria, porém com o declínio do grande poema narrativo e do verso dramático, lírica e poesia terminaram por confundir-se. O dramático era o que hoje chamamos teatro. Encenava os conflitos da sociedade, às vezes de um modo série (tragédia e às vezes de um modo cômico (comédia). Mas o poema épico era o que cantava as guerras e as conquistas da pátria, exaltava o povo grego e marcava sua identidade cultural. Era assim A Odisséia de Homero, o mais importante poeta dos gregos. No tempo de Homero não havia escrita. E durante alguns séculos seus longos poemas fora,m transmitidos oralmente, pelos aedos, pessoas com uma capacidade de memorização que espantaria qualquer um de nós.

Os poetas são seres muito especiais que, através da vida, conseguem manter a capacidade de se encantar com as coisas mais simples. Porque em tudo existe poesia, uma beleza difícil de explicar mais que nos emociona. Usando o ritmo para transmitir os sentimentos de um modo mais forte, usando as palavras com um sentido mais rico para dizer alguma coisa a mais, o poeta inventa o poema. Somente lendo é que sentimos as palavras, ouvindo o ritmo e vendo o desenho dos versos. As (sábias) palavras do poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), que escreveu no único texto teórico publicado “Como Fazer Versos”, que a “inovação é indispensável a uma obra poética. O material das palavras, as combinações achadas pelo poeta, devem ser reelaboradas. Se os versos são feitos com velhos resíduos verbais, a quantidade destes deve ser calculada em proporção com o material novo utilizado. É a quantidade e a qualidade do material novo que condicionarão as possibilidades da mistura”.

Depois de publicar em 2001 seu livro de estréia, Árvore de Folhas Caducas, este poetarquiteto simãodiense Ezio Déda, lançou em março pela Editora 7 Letras (Rio), com o patrocínio do Banese Card e do Instituto Banese, A Casa das Ausências, 119 páginas. Dividido em quatro partes: Terrenos Baldios, Estruturas Arcaicas, Rasuras Vão e Resíduos, o livro multimídia reune 54 poemas curtos, com prefácio do professor Alessandro Andrade, acompanha o arrojado projeto gráfico para se diferenciar no mercado literário, um DVD com textos da obra interpretados por figuras nacionalmente conhecidas: Antônio Abujamra, Artur Déda, D. Canô, Clifton Davis, Expedita Ferreira, Harildo Déda, Jorge Vercillo, Jorge Mautrner, J. Velloso, Mabel Velloso, Maitê Proença, Marcelo Déda, Tereza Rachel e Zélia Duncam.

Ezio Déda é um poeta na contramão da tendência materialista por produzir uma poesia universal, que remete o leitor a uma pantemporalidade, como forma de transportar para o papel as experiências existenciais do autor, provando que o homem - assim como a poesia - é formado essencialmente pela memória. Os muitos admiradores conquistados pelo poeta talvez o achem meteório, mas por certo não se decepcionarão com este novo livro, irão encontrar um poeta em pleno domínio de seu ofício, falando à vontade sobre os temas que lhe são familiares, com a linguagem que caracteriza sua obra, num delicado equilíbrio entre presença e ausência, como se punissem os inocentes ou premiassem os culpados.

o esforço tácilainda inspira a forma
os movimentos trêmulos já não tecem a mesma perfeição
mas a beleza persiste aos cânones da estética
porque o dom sempre transcende o limite de mãos arcaicas

Esta ausência pode ser uma carência, a perda mometânea da memória, um momento de desatenção, a suspensão completa e breve da consciência ou uma interrupção da atividade em curso. Valendo-se da antítese por que não ser a Casa de boas presenças? Foi desse modo que Ezio constituiu sua poesia, usando-a como uma aliada para tocar na zona sensível da asa do desejo. Em seus versos o poeta encoou o coro de seu tempo, na forma de um documento íntimo e, ao mesmo tempo, comunitário. Quer construir com palavras uma ponte indistrutível, para descortinar as sendas de um lirismo amoroso que se projeta nos abismos do desejo.

Cantor dos tempos, das coisas, dos seres e dos amores, Ezio Déda vem construindo uma obra respeitável, eu diria sem medo de errar, que A Casa das Ausências, é uma casa de vida pulsante e criativa, celeiro de talentos, uma arquitetura onírica de um tempo redescoberto, um mundo visto de outro ângulo ou quem sabe a geometria da alma. Aqui o poeta fragmenta o campo visual, descentra o olhar e inventa um espaço multifacetado.

Portanto, o percurso da poesia não tem fim, não acaba no fim de um livro, permanece na memória e nos sentidos do leitor, porque a leitura de um poema é uma experiência única, pessoal, intransferível. Expresso em linguagem poética, na qual a riqueza do idioma surge em cada verso, despertando o interesse e a emoção de quem lê, A Casa das Ausências, de Ezio Déda é um livro com a nossa melhor tradição poética, aliando reflexão existencial, peculiar imaginação artística e sensibilidade formal no trato com a palavra poética. Por isso, podemos saudá-lo.

naquele vasto corredor
só o risco do destino das portas
luz onexata, murmúrios fechados
entre inocências esquecidas
e a vigilia secular das tradições
o que se sentia mesmo
era o forte cheiro das sensações ocultas
e a certeza de eternas alvoradas

segunda-feira, 3 de maio de 2010

CONFIRA O ROTEIRO DA BIBLIOSESC PARA O MÊS DE MAIO

Renata Maria: Pedagoga e Pesquisadora Bolsista da Fundação Biblioteca Nacional. renatamaria.literatura@gmail.com




Neste mês de maio, a BIBLIOSESC continuará semeando livros pelos bairros por onde vai passar. Faça uma visita e embaque nas oportunidades de leitura que esse projeto leva até você.

Confira a programação:

04/05 - Colégio Estadual Poeta Garcia Rosa, Médici
05/05 - Colégio Estadual Leandro Maciel, Castelo Branco
06/05 - Escola Estadual Joaquim Vieira Sobral, Jabotiana
10/05 - Escola Estadual Prof.ª Lucila M. Chaves, Bugio
11/05 - Escola Estadual Olavo Bilac, Santos Dumont
12/05 - Escola Municipal de Ens. Fundamental Orlando Dantas, Olaria
13/05 - Posto de Saúde Dona Jovem, Industrial
17/05 - Colégio Estadual Barão de Mauá, São Conrado
18/05 - Colégio Estadual Poeta Garcia Rosa, Médici
19/05 - Colégio Estadual Leandro Maciel, Castelo Branco
20/05 - Escola Estadual Joaquim Vieira Sobral, Jabotiana
24/05 - Escola Estadual Prof.ª Lucila M. Chaves, Bugio
25/05 - Escola Estadual Olavo Bilac, Santos Dumont
26/05 - Escola Municipal de Ens. Fundamental Orlando Dantas, Olaria
27/05 - Posto de Saúde Dona Jovem, Industrial
31/05 - Colégio Estadual Barão de Mauá, São Conrado



BIBLIOSESC em frente ao Colégio Estadual Barão de Mauá