sábado, 29 de maio de 2010

IMORTAL POETA AMARAL CAVALCANTE

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

"Um Instante Amarelo é o embrião de uma obra de maior fôlego, que prenuncia o início promissor da caminhada poética de Amaral Cavalcanti".
Jackson da Silva Lima




Foi no final da década de 90 de século passado que tive o prazer de conhecer Antônio do Amaral Cavalcante através de apresentação dos amigos Antônio Passos e Luciano Correia. Ocorreu inesperadamente no Bar do Cajueiro – ponto de encontro habitual da intelectualidade sergipana na época. Lembro-me das presenças do artista plástico José Fernandes e do radialista Ludwig Oliveira. Conversaram sobre tudo. Eu na qualidade de ouvinte atento, recém chegado à Aracaju, aprendia as história da terra do poeta Enoch Santiago Filho (1919-1945). A esse tempo não tivemos, maior aproximação, apesar de nunca ter colaborado no jornal Folha da Praia, marco no jornalismo alternativo de Sergipe, que está completando trinta anos, por várias vezes fui convidado. Tornei a reencontrá-lo em 2007 como colaborador do Cinformonline.

Simãodiense nascido em 11 de julho de 1946, filho de José Cavalcante Lima e Corina Hora Amaral, viveu em Itaporanga d'Ajuda até os dez anos, época em que conhece a obra dos poetas José Sampaio (1913-1956) e José Augusto Garcêz (1919-1993). Após estudar dois anos na Escola Agrotécnica do Quissamã como aluno interno, conclui o ginásio em Simão Dias, no Ginásio Carvalho Neto, época em que desenvolve atividades teatrais, literárias e publica seus primeiros poemas no jornal A Semana.

Residindo em Aracaju onde veio estudar o curso secundário no Ateneu, ingressou na Academia dos Jovens Escritores, que tinha a orientação da professora, poeta e cronista Carmelita Fontes. Inquieto desde menino, Amaral Cavalcante fêz política estudantil, em grêmio, teatro e cinema. Teve participação intensa no movimento de contracultura de Sergipe, com Mário Jorge (1946-1973), Ilma Fontes (1947), Mara Lopes (1951), juntos criaram o primeiro jornal alternativo de Aracaju, Margilino. Pertencente a geração do Clube Sergipano de Poesia, do qual faziam parte Núbia Marques (1927-1999), Gizelda Morais (1939), Hunaldo Alencar (1942) e outros. Em 1968, foi finalista do Concurso José Sampaio, promovido pelo Clube Sergipano de Poesia, em 1970, no I Concurso de Poesia Falada do Nordeste, conquistou o título de melhor poeta nordestino com o poema Romance da Aparição. Em 1978 particupou como ator e produtor do longa metragem Sargente Getúlio. Ainda nesta década exerceu as funções de Diretor de Promoções do Departamento de Turismo de Aracaju e da Galeria de Arte Álvaro Santos. Presidente da Fundação Estadual de Cultura (FUNDESC), foi ainda membro do Conselho de Cultura do Estado, da Associação Sergipana de Cultura e do Clube Sergipano de Poesia. Em 2010, foi eleito para a Academia Sergipana de Letras, ocupando a cadeira n.39, pertencente a professora e historiadora Maria Thétis Nunes. O poeta Amaral Cavalcanti, tem poemas publicados em duas antologias:Poesia Sergipana, organizada por José Olyntho e Márcia Maria, 1988 e A Poesia Sergipana no Século XX, organizada por Assis Brasil, 1998, além de dois títulos inéditos: Desvãos (memórias de infância e da vida de Aracaju) e De bar em bar.

Instante Amarelo, Edição da Secretaria de Educação e Cultura do Estado/Editora Regina, 57 páginas, capa de Lineu Lins, 1971, livro de estréia do poeta Amaral Cavalcante, saudado pela crítica, são descrições e relatos dos desacertos dos homens e desconcertos do mundo. São as indignações e asperezas, mas também compreensão e amor. Dividido em quatro partes: tempo de urgência, inesperado agosto, poemas extensivos e romance da aparição. Uma poética densa, fruto de um poeta que há muito se vem afirmando com um dos nomes de destaque da literatura sergipana atual. Amaral Cavalcante escreve poesia como fatalidade do existir, com emoção, técnica e conhecimento, musicalidade e ritmo. Cada etapa na sua criação é sempre fruto de intenso labor. As palavras e o conteúdo de sua poesia, plenos de musicalidade e força mística, refletem idéias e sentimentos de clareza cristalina. O poeta sergipano sabe como poucos que a criação demanda bem mais que trabalho, tempo e entrega. Fatalmente andará, como toda a sua linguagem, espalhando nos quadrantes da poesia de todos os tempos, as paisagens interiores, indagações que irão acompanhar o universo íntimo de cada leitor, até a última virada de página.

Dono de um olhar que capta a estranheza da vida, Amaral Cavalcante é um poeta que busca as raízes, um poeta de bom gosto e de boa conversa, intenso como uma revoada de pássaros com uma poesia nas asas da imaginação, no embalo da indignação, um conhecedor da natureza. Sua grandeza está em si mesmo, na sua maneira de ser, na determinação de vencer cada etapa de uma vitória caminhada. Instante Amarelo é carregado de lirismo, ironia e resistência. Sua rima é sentimental e cheia de efeitos, a dor do mundo, a tristeza e a sentimentalidade misturam-se à ironia e ao sarcasmo. O livro trás a essência poética de sua primeira fase, uma espécie de viagem de memorização, preocupado em encontrar um caminho próprio, fora dos cânones tradicionais, por isso encontramos elementos estéticos do passado e da modernidade.

Após escrever poemas, inúmeros ensaios, resenhas, prefácios, crônicas e tantos outros textos, cuja reunião em livro se faz urgente e certamente, deverá ser obrigatória para se compreender melhor a literatura sergipana. Assim quero deixar registrada a comprovada e mais que permanente presença nas letras sergipanas, pelo reconhecimento e vera emoção por tudo que lhe devemos. A poesia de Amaral Cavancante se apresenta a si própria. E se apresenta livre, de longa vida. O impulso incendiário dessa viagem sem planos mantém esse corte: seus poems se escrevem contra a corrente da linguagem dominante na época.

Sabemos que grande parte da magia e da beleza da poesia de Amaral Cavalcante provém, é claro de seu sentido. O que encontramos em Instante Amarelo, é a dispensa da pontuação, seus versos são sem vírgulas, pontuação ou interrogação. Tudo neste poeta substantivo e vertebrado, consistentemente fiel a uma escolha permanece como marca de origem. Aqui se esconde uma teia infinita de raízes, um entrançado de sentidos, um lirismo quase puro como o sorriso do poeta. Cabe ao leitor deste Instante Amarelo extrair o melhor, o suco, a nata, o essencial de sua poesia:


mensagem

renascida de gritos
a madrugada despertou no leste

como se fosse agora
o instante legendário das batalhas

decisivo e urgente

(beijo de sol na rubra flor de sangue
despetalada sobre sobre a hera verde)

será preciso caminhar com ela
que toda madrugada é um chamado
e o leste encandescido é umanúncio
dos que na noite semearam cantos.

Um comentário:

artes disse...

Amigo Amaral: Puxa, como a vida passa!Vejo sua pose de poeta e lembro das nossas manhãs, ainda tão púberes, alinhavando o nosso livro "Azul Real Lavável", que preferiu ficar apenas em nossas mentes infantis. Depois do Diário de Aracaju, na Academia Sergipana dos Jovens Escritores... Lancei um livro de contos e no conto "De poetas e de loucos..." faço uma homenagem a você. Era o mínimo que eu podia fazer. Estou pintando, escrevendo roteiros de filmes, peças de teatro, músicas, contos, poesia... Agora, tento lançar Contosias - uma mistura de contos com poesias. Foi bom te ver e saber que estás bem e orgulhoso de ser poeta. Estou mandando o livro via minha irmã que mora aí.Jamais esqueci "Inesquecível agosto"!