sábado, 29 de maio de 2010

EU SERGIPANÊS

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luis e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

“Quem conhece GILFRANCISCO, assim mesmo, sem sobrenome, como Gilvicente ou Sêneca, ou Pelé ou Tomzé, talvez o veja como uma espécie de intruso. Estamos numa roda de conversa e ele vai chegando, sorrateiro, tímido, e logo vai ocupando espaço. Mas não sem a delicadeza de quem chega, com o cuidado de quem pisa numa terra de muros baixíssimos (a afirmação é por minha conta e risco). Digo intruso porque ele é baiano e ainda carrega aquele sotaque provinciano, um cantado e chiado do sul da Bahia (uma vingança minha, porque, quando eu morava em Salvador, eles faziam troça com meu “sergipanês” – vejam só!).
Luciano Correia / 18 de outubro de 2002.


Lembro-me perfeitamente que o primeiro livro da literatura sergipana que li foi do capelense radicado na Bahia, Nélson de Araújo (1926-1993), “Companhia das Índias – farsa em três capítulos“, em 1969, ano do meu alistamento militar, primeira e única detenção no Quartel de São Joaquim e do ingresso como servidor público na Reitoria da Universidade Federal da Bahia, reitorado do professor Roberto Santos. Este mesmo livro fora editado anteriormente (1959) pela Livraria Progresso Editora/UFBa/Cadernos da UBE, coleção Paralelo 13, nº 3, em formato de bolso, tinha uma cuidadosa capa de Lênio Braga. Na época da publicação, o livro teve grande repercussão, devido à sua encenação em 1958, no Teatro Santo Antonio (Escola de Teatro da UFBA), e muitos desses livros ficavam amontoados no minúsculo Departamento Cultura (no subsolo da Reitoria), dirigido pelo professor e antropólogo espanhol Valentin Calderón, diretor do Núcleo de Publicações da UFBA.
Após a leitura, meu pai Odilon Francisco dos Santos (dorense e funcionário da Reitoria) colocou-me em contato com Nélson, professor da Escola de Teatro e editor das publicações do núcleo. O livro trata, através da sátira, das revoluções sul-americanas e, quando publicado em 1959, mereceu um brilhante artigo do jovem cineasta baiano, Glauber Rocha, que pela repercussão dos comentários nos círculos literários foi republicado na Revista Leitura, no Rio de Janeiro, em dezembro desse mesmo ano. Eu não imaginaria que décadas depois moraria em
Sergipe dedicaria- me aos estudos literários e culturais sergipanos e escreveria um livro sobre o amigo Nélson de Araújo.
Aportado em Sergipe no início de janeiro de 1996 para chefiar o Departamento e a Coordenação do curso de Letras da Universidade Tiradentes – UNIT recorri imediatamente à Biblioteca Pública Epifânio Dória e ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS, instituições responsáveis pela preservação da memória cultural do Estado de Sergipe e dei início à leitura de vários autores sergipanos começando pelo dicionário Bio-bibliográfico de Armindo Guaraná (1924), hoje, de fácil acesso, por ser encontrado digitalizado. Depois, com muita dificuldade localizei um exemplar de “O Realismo Social na Poesia em Sergipe”, de Austrogésilo Santana Porto (1960) e seguir em frente com a História da Literatura sergipana, Vol. I – fase colonial (1971) e o Vol. II – fase romântica (1986), de Jackson da Silva Lima.
Outro aspecto importante para o desenvolvimento do meu trabalho foi o constante contato que mantive durante todo esse tempo com historiadores, pesquisadores e escritores locais. A partir de 1998, levado pelo radialista Ludwig Oliveira passei a colaborar com o Jornal da Cidade, onde já publiquei quase uma centena de artigos sobre a memória cultural do Estado, material que faz parte do livro ainda inédito “Sergipe & Sergipanos”. Com a morte do folclorista e historiador José Calasans Brandão da Silva (1915-2001), com quem havia trabalhado a partir de 1976, na coordenação de Extensão da Universidade Federal da Bahia, organizei o livro “José Calasans, um historiador contumaz” reunindo mais de oitenta textos sobre a obra do autor de “Cachaça Moça Bonita – um estudo de folclore”. Em 2003, a convite do editor do Correio de Sergipe, Giovani Allievi, coordenei o Suplemento Especial “Memórias de Sergipe”, reunidos em seis números importantes informações culturais, políticas e socioeconômicas, distribuídos em pares de fascículos (1 e 2) Educação, (3 e 4) Cultura, (5 e 6) Política.
Em fevereiro de 2004 fui admitido nas revistas Aracaju Magazine e Nordeste Magazine (revista de bordo da Vasp), ambas editadas pelo Publisher Hugo Julião. Na primeira colaborei a partir do número 100 (Edição especial) até o número 116/2005 e, na segunda, nos números 6,7 e 8. Nesse período elaboramos o projeto editorial “Sergipanos Ilustres” para publicarmos cinqüenta bio-bibliografias de autores sergipanos. Dos títulos da coleção, somente “Jordão de Oliveira”, de Marcelo Ribeiro foi publicado em 2006, pela Secretaria de Estado da Cultura/BR-Petrobras. Seguindo as pistas e dicas de Jackson da Silva Lima, cheguei aos primeiros documentos sobre as manifestações modernistas em Sergipe, poemas publicados no jornal A Razão, de Estância, em 10 de junho de 1928, de Abelardo Romero e José Maria Fontes. Por esse período localizei o artigo “O Futurista” de Heribaldo Vieira, datado de Recife (12, junho de 1923) e publicado no Correio de Aracaju em 26 e 28 de março de 1924, resultado do artigo “O Modernismo Literário em Sergipe”, publicado na revista Aracaju Magazine, em junho de 2004.
As pesquisas se intensificaram nesse ano de 2003 quando redescobri mais um sergipano apagado pelo tempo, o estanciano Raimundo Sousa Dantas, primeiro negro nomeado embaixador do Brasil em Gana (África), em seguida publiquei um artigo sobre ele na revista Aracaju Magazine, número 100 (fevereiro de 2004). Nesse mesmo ano iniciei as pesquisas sobre Bernardino José de Sousa (1885-1949), sergipano de Cristinápolis, radicado na Bahia em sua juventude, ainda desconhecido em seu Estado, deixando publicados vários livros: Dicionário da Terra e da Gente do Brasil, O Pau Brasil na História Nacional, Ciclo do Carro de Boi no Brasil. Reuni textos esparsos de Bernardino publicados em vários periódicos e também sobre sua obra. Graças à colaboração do amigo Gildeci de Oliveira Leite, professor de Literatura Brasileira da Universidade do Estado da Bahia – UNEB (Seabra), que disponibilizou alguns estagiários para digitar todo material por mim recolhido. Imediatamente publique o artigo “Bernardino de Sousa, grande cientista social”, no Jornal da Cidade, em 1º e 2 de julho de 2007 e republicado com o título Bernardino de Souza, um anônimo na historiografia sergipana na revista Ícone n.11. abril/maio. 2010.
Entre 2005/2006, quando preparava a revisão dos originais de “Poemas de Enoch Santiago Filho”, tive conhecimento da obra esparsa (poesia e prosa), do seu pai Enoch Matusalém Santiago (1892-1957), que muito me impressionou, através de suas crônicas publicadas nos anos vinte. Organizei toda sua obra distribuída em mais de quinze periódicos, e dei o título de “Enoch Santiago: Palavras Verdadeiras”, depois publique um artigo com o mesmo nome no Jornal da Cidade, em 17 de fevereiro de 2007, republicado em livro na Série Presidentes do Poder Judiciário, organizado por Ana Medina, em 2008. Em 2006 iniciei as pesquisas sobre a obra de Alina Paim e publiquei “A romancista Alina Paim” no Jornal da Cidade, em 20 e 21 de abril e, somente no final do ano de 2007 é que a localizei residindo no Mato Grosso, aos oitenta e oito anos a romancista estanciana, Alina Paim, tida como falecida, por alguns. Aproveitando a rara oportunidade entrevistei-a para o Cinform, gerando a matéria “A redescoberta de Alina Paim”, publicada nas edições de 21 a 27 de abril de 2008, republicada na Revista eletrônica www.cronopios.com.br A partir de abril de 2007, a convite do diretor de jornalismo do Cinform, Jozailto Lima, passei a colaborar semanalmente com o Cinform on-line, onde já publiquei mais de setenta artigos e muitos são dedicados à literatura sergipana. Entre 2009/2010, passei a colaborar na revista Ícone com uma série de artigos sobre literatura sergipana.
Atualmente preparo um material sobre revistas sergipanas modernistas (século XX) para inclusão no livro Pontos Cardeais do Modernismo Brasileiro, de Gilberto Mendonça Teles que será publicado no próximo ano, em Portugal. Parafraseando Pinheiro Viegas, o velho sábio da Academia dos Rebeldes: a universidade está cheia de pensantes e poucos pensadores, a todo instante chegam professores de outros Estados, que não conhecem a literatura sergipana, alguns se arriscam a falar sobre ela, e os que são daqui dão pouca ou nenhuma importância, simplesmente não demonstram interesse.
Foram muito importantes para o desenvolvimento da minha pesquisa as constantes conversas, a troca de informações sobre o desenrolar dos trabalhos e, nunca tive cerimônia de solicitar ajuda pessoalmente ou por telefone a Wagner Ribeiro, Célio Nunes, Maria Thétis, Maria Nely, Ibarê Dantas, Luis Antonio Barreto, Jackson da Silva Lima, dentre outros. Tudo isso é uma tentativa de reabilitar esses escritores, são doze anos de pesquisa intensa e muitas leituras para chegar aos textos esparsos e inéditos de Enoch Santiago Filho, José Calasans, Bernardino de Sousa, Enoch Santiago, Renato Mazze Lucas, Ranulfo Prata, Paulo Carvalho Neto, Nélson de Araújo e Alina Paim. Realizei também alguns prefácios para livros de autores sergipanos: Poemas Irregulares, Marcelo Ribeiro (2007); Bestiário da Poesia Brasileira, Leonardo Alencar (2009), Obra Poética Reunida, Araripe Coutinho (2010); A Reutilização das Pedras, Thiago Martins Prado (2010) e Microcontos, Célio Nunes (2010). Uma rápida passagem pela Segrase-Serviços Gráficos de Sergipe, como consultor editorial da Editora Diário Oficial, resenhei todos os títulos por ela publicados, e publiquei um texto não assinado na abertura do Calendário - 2010, ilustrado pelo artista plástico sergipano, Leonardo Alencar, em homenagem aos 50 anos de suas atividades, além de coordenar o primeiro número do suplemento cultural Armazém Literário (não publicado) encarte do Diário Oficial do Estado de Sergipe, cujo tema estabelecido foi a Sergipanidade. Disse no editorial que: "É com orgulho que apresentamos o suplemento cultural com esta edição de número 1, pensada para mostrar um painel da diversidade da nossa sergipanidade no cotidiano de nossas vidas. Mais uma vez, a Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe faz um trabalho vigoroso intelectualmente, à altura de seus leitores. Vale a pena guardá-lo. Armazém Literário é, portanto, um espaço de autores contemporâneos, publicando desde os que já têm reconhecimento mais amplo em nível nacional, até aqueles que estão começando suas obras, em busca de reconhecimento local. Quem quiser este periódico para mostrar sua opinião, sempre poderá contar com ele. Aguardamos suas críticas, elogios e sugestões".
O resultado dessa trajetória, desse esforço individual e coletivo foi o reconhecimento pelos serviços prestados pelo resgate da memória cultural de Sergipe: Os 50 homens mais influentes de Sergipe (2006), e Personalidade Destaque de Sergipe (2007), ambos como homenagens da Revista Educação Superior – Nordeste, além da Medalha do Mérito Cultural Ignácio Barbosa concedida pela Prefeitura Municipal de Aracaju, em maio de 2008, dois meses depois ele recebeu o título de Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGS. Em outubro, recebi na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, o Prêmio Veríssimo de Melo, concedido pela União Brasileira de Escritores no quesito Melhor Publicação de Pesquisa e Biobibliografia. Em dezembro deste mesmo ano recebi "Prêmio Outras Palavras", na categoria escritor do ano, concedido pela TV Cidade – Canal 20/NET, por ocasião dos sete anos do programa e dos 40 anos do apresentador Araripe Coutinho. Este ano em 20 de agosto, sexta-feira receberei o título de cidadão aracajuano concedido pela Câmara dos Vereadores de Aracaju, por iniciativa do vereador do Partido dos Trabalhares, Francisco Santos (Chico Buchinho). Mas toda essa trajetória deve-se aos editores que muito contribuiu para este momento: Aline Braga, Flávia Martins, Giovani Allievi, Hugo Julião, Jacy Cruz, Jozailto Lima, Luiz Melo e Marcos Cardoso.
Com este depoimento, encerra-se um ciclo quattuordecim. Sobre Sergipe foram publicados: Flor em Rochedo Rubro – o poeta Enoch Santiago Filho (2005), O poeta Arthur de Salles em Sergipe (2006) Literatura Sergipana, uma literatura de emigrados (2007), Enoch Santiago:Palavras Verdadeiras (2008), A romancista Alina Paim (2008), O Contista Renato Mazze Lucas (2008). Quero aproveitar a oportunidade para confessar um inadiável e tardio assunto: o bom crítico é tão raro quanto o bom poeta. Estarei em breve noutras paragens, pesquisando e estudando outras literaturas. Acabou a tinta da pena após quatorze anos dedicados a memória cultural de Sergipe.

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