segunda-feira, 24 de maio de 2010

A CASA DAS AUSÊNCIAS OU A ASTÚCIA DA MÍMESE

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com



O hábito de fazer poemas tem uma longa história, começa com os gregos antigos que muito antes de nós, já haviam descoberto a importância das artes e da poesia na vida dos homens. Foram os primeiros a dividir a literatura em três grandes gêneros: o lírico, o drama e o épico. O gênero lírico era a mais direta expressão da alma: falava do amor e da tristeza, da dor e da alegria, porém com o declínio do grande poema narrativo e do verso dramático, lírica e poesia terminaram por confundir-se. O dramático era o que hoje chamamos teatro. Encenava os conflitos da sociedade, às vezes de um modo série (tragédia e às vezes de um modo cômico (comédia). Mas o poema épico era o que cantava as guerras e as conquistas da pátria, exaltava o povo grego e marcava sua identidade cultural. Era assim A Odisséia de Homero, o mais importante poeta dos gregos. No tempo de Homero não havia escrita. E durante alguns séculos seus longos poemas fora,m transmitidos oralmente, pelos aedos, pessoas com uma capacidade de memorização que espantaria qualquer um de nós.

Os poetas são seres muito especiais que, através da vida, conseguem manter a capacidade de se encantar com as coisas mais simples. Porque em tudo existe poesia, uma beleza difícil de explicar mais que nos emociona. Usando o ritmo para transmitir os sentimentos de um modo mais forte, usando as palavras com um sentido mais rico para dizer alguma coisa a mais, o poeta inventa o poema. Somente lendo é que sentimos as palavras, ouvindo o ritmo e vendo o desenho dos versos. As (sábias) palavras do poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), que escreveu no único texto teórico publicado “Como Fazer Versos”, que a “inovação é indispensável a uma obra poética. O material das palavras, as combinações achadas pelo poeta, devem ser reelaboradas. Se os versos são feitos com velhos resíduos verbais, a quantidade destes deve ser calculada em proporção com o material novo utilizado. É a quantidade e a qualidade do material novo que condicionarão as possibilidades da mistura”.

Depois de publicar em 2001 seu livro de estréia, Árvore de Folhas Caducas, este poetarquiteto simãodiense Ezio Déda, lançou em março pela Editora 7 Letras (Rio), com o patrocínio do Banese Card e do Instituto Banese, A Casa das Ausências, 119 páginas. Dividido em quatro partes: Terrenos Baldios, Estruturas Arcaicas, Rasuras Vão e Resíduos, o livro multimídia reune 54 poemas curtos, com prefácio do professor Alessandro Andrade, acompanha o arrojado projeto gráfico para se diferenciar no mercado literário, um DVD com textos da obra interpretados por figuras nacionalmente conhecidas: Antônio Abujamra, Artur Déda, D. Canô, Clifton Davis, Expedita Ferreira, Harildo Déda, Jorge Vercillo, Jorge Mautrner, J. Velloso, Mabel Velloso, Maitê Proença, Marcelo Déda, Tereza Rachel e Zélia Duncam.

Ezio Déda é um poeta na contramão da tendência materialista por produzir uma poesia universal, que remete o leitor a uma pantemporalidade, como forma de transportar para o papel as experiências existenciais do autor, provando que o homem - assim como a poesia - é formado essencialmente pela memória. Os muitos admiradores conquistados pelo poeta talvez o achem meteório, mas por certo não se decepcionarão com este novo livro, irão encontrar um poeta em pleno domínio de seu ofício, falando à vontade sobre os temas que lhe são familiares, com a linguagem que caracteriza sua obra, num delicado equilíbrio entre presença e ausência, como se punissem os inocentes ou premiassem os culpados.

o esforço tácilainda inspira a forma
os movimentos trêmulos já não tecem a mesma perfeição
mas a beleza persiste aos cânones da estética
porque o dom sempre transcende o limite de mãos arcaicas

Esta ausência pode ser uma carência, a perda mometânea da memória, um momento de desatenção, a suspensão completa e breve da consciência ou uma interrupção da atividade em curso. Valendo-se da antítese por que não ser a Casa de boas presenças? Foi desse modo que Ezio constituiu sua poesia, usando-a como uma aliada para tocar na zona sensível da asa do desejo. Em seus versos o poeta encoou o coro de seu tempo, na forma de um documento íntimo e, ao mesmo tempo, comunitário. Quer construir com palavras uma ponte indistrutível, para descortinar as sendas de um lirismo amoroso que se projeta nos abismos do desejo.

Cantor dos tempos, das coisas, dos seres e dos amores, Ezio Déda vem construindo uma obra respeitável, eu diria sem medo de errar, que A Casa das Ausências, é uma casa de vida pulsante e criativa, celeiro de talentos, uma arquitetura onírica de um tempo redescoberto, um mundo visto de outro ângulo ou quem sabe a geometria da alma. Aqui o poeta fragmenta o campo visual, descentra o olhar e inventa um espaço multifacetado.

Portanto, o percurso da poesia não tem fim, não acaba no fim de um livro, permanece na memória e nos sentidos do leitor, porque a leitura de um poema é uma experiência única, pessoal, intransferível. Expresso em linguagem poética, na qual a riqueza do idioma surge em cada verso, despertando o interesse e a emoção de quem lê, A Casa das Ausências, de Ezio Déda é um livro com a nossa melhor tradição poética, aliando reflexão existencial, peculiar imaginação artística e sensibilidade formal no trato com a palavra poética. Por isso, podemos saudá-lo.

naquele vasto corredor
só o risco do destino das portas
luz onexata, murmúrios fechados
entre inocências esquecidas
e a vigilia secular das tradições
o que se sentia mesmo
era o forte cheiro das sensações ocultas
e a certeza de eternas alvoradas

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