quinta-feira, 26 de maio de 2011

JORGE AMADO, TRADUTOR DE DONA BÁRBARA

GILFRANCISCO, Jornalista, professor e membro do IHGSE e do IGHBA. gilfrancisco.santos@gmail.com

O romancista Jorge Amaro, esporadicamente exerceu a atividade de tradutor, sendo o responsável pela divulgação de vários escritores hispânicos no mercado editorial brasileiro nos anos quarenta, como o equatoriano Jorge Icaza, o uruguaio Enrique Amorim, o peruano Ciro Alegría e o venezuelano Rómulo Gallegos, de quem traduziu o romance Dona Bárbara. Hoje é possível encontrar a edição da Record, de 1974, revista e readaptada, acompanhada de notas de rodapé.

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O romancista venezuelano Rómulo Gallegos nasceu em Caracas (1884-1969), tornou-se conhecido ao publicar Os Aventureiros (1913), livro de contos, gênero muito limitado para as suas intenções. Dividido entre as duas correntes literárias da época, o Americanismo de crítica social e o Modernismo refinado e exótico da primeira fase. Algumas constantes literárias caracterizam a obra de Rómulo Gallegos, seja referente à estrutura de seus romances, que pouco evoluiu do costumismo russo-espanhol, seja na visão do homem e do mundo americano.

Tendo vivido muitos anos na Espanha, onde publicou vários de seus livros. Foi ministro da Educação (1936-1937) e presidente da República, eleito em 1948. Deposto por um golpe de estado, exilou-se no México. Em 1958, volta para a Venezuela, aclamado herói nacional e o maior escritor do país. Em sua obra, procurou assimilar as peculiaridades da Venezuela, do espanhol falado pelo povo à natureza tropical e as tradições indígenas seu tema principal é o conflito entre civilização e a barbárie. Ficou célebre internacionalmente com o romance, Dona Bárbara, publicado em Barcelona em 1929 e dois anos depois era traduzido ao inglês. Gallegos publicou mais de uma dezena de livros, alguns como: O último sol (1920); A trepadora (1925); Canaima (1932); Cantoclaro (1934); Pobre Negro (1937); O forasteiro (1945); Na mesma terra (1947); A palhinha no vento (1952); Obras Completas (1959).

Dona Bárbara

Dividido em três partes, as duas primeiras contendo treze capítulos e a última quinze, distribuídos em 173 páginas, o romance mescla elementos líricos, costumbristas, psicológicos e sociológicos. Constitui uma das obras mais importantes da literatura latino-americana. A presença de símbolos em sua narrativa telúrica, numa recriação em profundidade: o personagem Santos Luzardo, volta ao lhano para vencer superstições e crendices e o espírito do mal, representado pela “devoradora de homens”, Dona Bárbara.

O romance Dona Bárbara apresenta como cenário as savanas de Apure, localizadas na região de Arauca, Venezuela, cuja produção econômica se baseia na pecuária. Essa narrativa retrata a natureza fundamentada nos ideais positivistas e de pressupostos deterministas. Desse modo, o progresso e civilização são contemplados como instrumentos de redenção para o ambiente e para os homens. Em Dona Bárbara, tanto a natureza quanto os homens são representados como bárbaros, sendo que a natureza abrange uma dinâmica significativa dentro do fio condutor da obra, pois o espaço narrativo é um ambiente que determina e, ao mesmo tempo, conduz as ações das personagens.

Dona Bárbara, uma descendente de índios, é personagem – título do livro. Ela é descrita como uma mulher cruel, não quis filhos para não dar prova do domínio do homem sobre a mulher. Seu principal opositor é Santos Luzardo, retratado no romance como um civilizador. A escritora Bella Jozef observa que Santos Luzardo “personifica a cultura e pretende exercer sua ação educadora nos llanos e terras distantes da civilização, rodeado de forças negativas: superstição, lucro, ignorância, que deve vencer sob pena de ser vencido”.[1] No livro O Jogo Mágico, dando prosseguimentos as suas pesquisas sobre as letras hispano-americanas, Bella Jozef, analisa o romance brasileiro e o ibero-americano na atualidade e compara Gallegos (Dona Bárbara) com Guimarães Rosa (Grande Sertão:Veredas), ao afirmar que em ambos “o homem é ser em luta, o tema e os personagens se alegorizam na aventura do homem que tende a dominar as forças primitivas da natureza para alcançar sua harmonia interior. Apresentam assim, uma visão poética do mundo e do homem americano”.[2]

Tradução

A idéia de tradução desta obra ocorreu após uma viagem que Jorge Amado empreendeu pela América Latina iniciada em 1937. A viagem despertou em Jorge a vontade de divulgar algumas obras hispânicas em solo brasileiro: “Eu realizara longas viagens pelas três Américas, tomara conhecimento das literaturas de diversos países de língua espanhola, fizera-me admirador e amigo de romancistas e poetas. Além de Gallegos, eu propunha fossem traduzidos e editados Jorge Icaza (Huasipungo e en las Calles), Aguilera Malta (Canal Zona), Rivera (La Vorágine), Enrique Amorim (El Caballo y su sombra), para citar apenas alguns”. [3]

Talvez o seu interesse em traduzir Dona Bárbara, resida nas coincidências temáticas e nos propósitos literários entre a referida obra e as suas: denúncia social, renovação da linguagem literária, valorização das tradições culturais e perspectivas ideológicas. Após alguns anos a procura de um editor que pudesse publicar sua tradução, finalmente foi encontrar no Estado do Paraná, uma pequena editora, Guaíra, que se interessou e publicou Dona Bárbara em 1939 e outros títulos recomendados por Jorge, formando uma coleção denominada “Estante Americana”

A partir dessa tradução, Jorge Amado passa a ser o divulgador de obras de autores latino-americanos no Brasil e na década de 1940, época em que se liam, no país, praticamente só obras de origem francesa. A literatura hispânica era desconhecida pela maioria dos leitores e, para muitos, não era possível ler obras em espanhol. Além de ter traduzido para o português, o romance Dona Bárbara, de Rómulo Gallegos, em 1939, Jorge Amado traduziu também outros livros em 1944 para a recém criada Editora Brasiliense dirigida Caio Prado Jr., Arthur Neves, Leonardo Dupré e Monteiro Lobato, alguns títulos como “Minha Mãe, de Cheng-Tcheng e “Terra e Sangue” de Mikhail Chorokhov, livro agraciado com o prêmio Stalin.

Diz-se inclusive, que o ex-presidente venezuelano tinha grande desgosto dessa edição brasileira. Ela não teria sido autorizada, logicamente não teria recebido os direitos autorais, ele a considerava uma das piores traduções feitas no Brasil, de escritores hispano-americanos. Por este motivo, Jorge Amado reeditou o livro, pela editora Record, em 1974, revisando e readaptando a tradução, além das notas esclarecedoras de rodapé.

Do cinema para TV

Dirigido em 1943 por Fernando de Fuentes, tendo como roteirista o escritor de Carlos Fuentes, o longa-metragem mexicano (132 min.), fui um dos grandes sucessos da cinematografia nacional. Dona Bárbara mais tarde transformado em telenovela (CNT) foi exibida e vários países de língua espanhola, com igual sucesso. Os anos 40 e parte dos 50 representam a época de ouro do cinema mexicano e nos outros países da América Latina forjava-se a idéia de um cinema nacional.

O enredo gira em torno de Bárbara Guamarán. Traumatizada no amor, ela decide se vingar de todos os homens que cruzam seu caminho, mas por infelicidade do destino, acaba lutando pelo amor do mesmo homem com sua filha, Marisela. Dona Bárbara torna-se amante de Lorenzo Barquero com a nítida intenção de ficar com sua fortuna. Assim engravida, mas com a maternidade a deixa envergonhada de si mesma e seu rancor contra o homem torna-se cada vez maior, já que um filho significa para ela mais um êxito do macho, renega Marisela, a recém nascida.

Após despojar Lorenzo de seus bens e de sua juventude o abandona, e ele, infeliz e arruinado pelos vícios, é expulso da fazenda com o bebê. Assim, durante anos, tem tratado de espalhar o medo em uma região onde a justiça do homem tem sua própria lei. Sua ambição e sua sêde de vingança não têm limites, mesmo se tratando de sua própria filha. A magia de sua beleza sobrenatural tem lhe servido para conquistar homens e governos. Para ela, não há animal que escape de seu chicote, nem ser humano que fuja de sua crueldade. O que não consegue por meio da força, obtém através de sua melhor aliada: a feitiçaria. Santos Luzardo será o único que terá as armas para domar e derrotar a “devoradora de homens”, como a chamam em sua terra.

Epílogo

Dona Bárbara é um romance que ainda corresponde à atualidade, ou como diz o texto em uma de suas abas: “Dona Bárbara é um livro de vida longa e fama altíssima. É justamente um clássico, isso é, um livro que espelha a verdade sobre a alma e os anseios do povo e da terra que lhe deu origem e, como tal, está destinada a atravessar os tempos como um registro fiel, acentuado pela arte e pela emoção compreensiva, da gente humilde e sofrida que habita os imensos llanos da Venezuela”.


[1] Romance Hispano-americano. São Paulo, Editora Ática, 1986.

[2] O Jogo Mágico. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1980.

[3] Rómulo Gallegos há algo de comum entre os romancistas da América? Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 15 de junho, 1974.

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