sexta-feira, 27 de maio de 2011

CRÔNICA DE VIAGEM

GILFRANCISCO, jornalista, professor universitário e membro do IHGSE e IGHBA. gilfrancisco.santos@gmail.com

Macchu Picchu, um paraíso perdido


Estive por três vezes em Machu Picchu. A primeira viagem realizada em janeiro de 1974, após retornar do Chile, derrotado pela vitória sanguinária do general Pinoché, sobre o Presidente Salvador Allende, tinha por finalidade a Ilha de Cuba. Seguir de La Paz via Puno até Cuzco, depois até Lima via Aycuchu, Nazca e Ica. Em janeiro de 1980, época em que trabalhava no Ceped – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento seguia mais uma vez com destino ao Rio de Janeiro, onde passei alguns dias no simplíssimo e aconchegante apartamento em Ipanema do amigo Max Argolo, um médico militante do PC, de ônibus pela Viação Andorinhas fui até Campo Grande, seguindo depois de trem até a cidade de Corumbá. Depois de conhecer o pantanal matogrossense, cheguei em Puerto Suarez já em território boliviano. No mesmo dia embarquei no Trem da Morte (classe Turística) até Santa Cruz de La Sierra, a terra do Che. A viagem foi um horror: o trem todo cheirava a éter ou acetona, um amontoado de camponeses deitado nos corredores sem iluminação e nas paradas obrigatórias, o exército vasculhava o trem a procura de guerrilheiros ou contrabando. De repente uma voz estridente gritava - de quem é essa vasilha? Ninguém respondia. Uma vez ou outra alguém se identificava, e entre si negociavam o valor da propina. Próximo a Santa Cruz, num pequeno povoado um dos últimos vagões descarrilou. Levamos algumas horas aguardando um guincho para recolocá-lo nos trilhos. Desci do trem e registrei o acidente em fotos.

Um dia após a chegada consegui passagem aérea através da TAB – Transportes Aéreo Boliviano, possuidora de uma frota de velhas aeronaves da Segunda Guerra, adaptadas para a aviação comercial. Por Esse motivo os preços das passagens são acessíveis a classe popular em relação à concorrente LAB - Linhas Aéreas Bolivianas. Um vôo impressionante sobre as Cordilheiras dos Andes. A aeronave chacoalha o tempo todo. Minha poltrona ficava na asa, mas deu para fazer algumas fotos com a velha Kodak caseira. De repente lembrei-me do desastre aéreo ocorrido em outubro de 1972 com um avião bimotor Focker-27, um turboélice (modelo idêntico ao que eu estava) da Força Aérea Uruguaia que levava um time de rugby do Cluber Old Christian Brothers e caiu na Cordilheira dos Andes, no lado Argentino. É aquela partida em Santiago do Chile nunca se realizou. Das 45 pessoas que estava no avião, entre tripulação e passageiros, sobreviveram apenas 16.

Em poucos minutos chegava ao Aeroporto El Alto, de La Paz, cidade situada a mais de 4.000 m de altitude. Seguindo o roteiro do amigo peruano Guilhermo Barreda (projetista do Ceped), comprei passagem até Cuzco nos velhos microônibus da empresa Morales Moralitos. Optei pela via Arequipa, Atico, Nazca, Ica, Lima. A 70 km de La Paz, próximo à margem boliviana do lago Titicaca, sítio de antigas civilizações (Tiahuanaco e berço legendário dos incas) encontram-se as ruínas de Tiahuanaco. Suas pedras ilustram um estilo de construção colossal, retilíneo e austero, visível nas muralhas rigorosamente alinhadas.

É desta época meu segundo encontro com o romancista peruano, aprista (partidário da Aliança Popular Revolucionária Americana) Mario Vargas Llosa, quando estive em sua residência no moderno e luxuoso bairro de Miraflores, em Lima. Cheguei preparado para uma possível entrevista, tinha lido dois dos seus romances, La ciudad y los Perros, livro premiado em 1962 pela Biblioteca Breve e um ano depois pela crítica, e Conversación em La Catedral, ambos emprestados por Guilhermo. Já havia iniciado em fins de 1979 uma camaradagem com o escritor, por intermédio do professor José Calasans durante sua breve estada na Bahia, quando pesquisava sobre Canudos para escrever um dos seus mais importantes romances, A Guerra do Fim do Mundo (a saga de Antônio Conselheiro na maior aventura literária do nosso tempo), publicado em 1981. Havia também recebido da escritora Bella Jozef, estudiosa da literatura hispano-americana, um exemplar do seu livro “O Jogo Mágico” em que dedicara dois capítulos sobre sua obra.

Terceira visita

A terceira viagem a Machu Picchu (dezembro, 1985) foi planejada em Havana, quando retornávamos juntamente com os jornalistas Guido Araújo e Zoraide Vilas-Boas e o saudoso cineclubista Luiz Orlando (falecido), após participamos do VIII Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano la habana.

Após permanecermos por dois dias em Lima, deixamos o Aeroporto Internacional Jorge Chávez, no Aero Peru, com destino a Cuzco com escala em duas outras cidades. Na época o Sandero Laminoso, movimento revolucionário peruano, liderado por Abimael Guzmán, de tendência marxista, fundado em 1970, empregava a tática de guerrilha, com freqüência cometiam atentados a bomba nos trens que ligam Cuzco a Machu Picchu. Esse era um dos motivos que nos assustavam.

Chegamos a Cuzco pela manhã. Do aeroporto seguimos diretamente ao Hotel. Guido não estava nada bem. A todo instante me perguntava já tomei o remédio? – Fique atento com o horário. Você tem que cuidar de mim, não me deixe só. Eram quatro comprimidos: um para pressão, dois para o coração e um para os rins, pois tinha crise de cálculo renal. Tomamos chá de coca e descansamos, para viajarmos no dia seguinte com destino a Machu Picchu. Sim, o remédio, é o chá de coca, necessidade vital para a população andina. A tradição secular do consumo das folhas de coca – mascadas ou aproveitadas em chá – é um constante desafio ao combate à produção e tráfico de cocaína, já que esta planta, matéria-prima para a fabricação da droga, é cultivada em larga escala.

Na parte da tarde visitamos o Convento de São Domingos e alguns museus de arqueologia e de arte religiosa, além da Igreja da Compañía (1651-1668) com sua fachada barroca, situada na Plaza de La Armas, onde encontramos um guia mirim de onze ou doze que falava português e me pediu um dicionário (português/espanhol). Ao retornarmos ao hotel tentei convencer Guido a ficar, mas ele tinha receio de morrer sozinho. Pela manhã, partimos da Estação de San Pedro, através da Empresa Nacional de Ferrocarriles del Peru e viajamos por cerca de três horas pelo Vale de Urubamba até Machu Picchu. Ao descermos do trem fomos cercados por uma dezena de artesãos que tentavam vender seus artigos de pedra sabão, cerâmicas, de prata e de pele de lhama e alpaca, animais que habitam os Andes. Em Águas Calientes pernoitamos numa hospedaria, na base da montanha, onde eu já havia me hospedado anteriormente. Guido Araújo optou pelo hotel que fica no alto da montanha (v. foto). Como já era do meu conhecimento à noite em Águas Calientes é tão fria que dói os ossos, impossível um visitante sobreviver. Por isso convenci a Zozó a dormirmos juntos, de valete e desta forma sobrevivemos e a viaje ficou mais adocicada, mesmo sem ter caqueado.

Enquanto Guido e Luiz Orlando permaneciam bisbilhotando a arqueologia de Machu Picchu eu e Zoraide, juntamente com um guia local, seguimos para Huayna Picchu, montanha (mais alta que Machu Picchu, medindo mais de três mil metros), em torno da qual o rio Urubamba segue seu curso. Levamos mais de duas horas para atingirmos o pico da montanha. Uma subida de difícil acesso, exaustiva, com várias partes escorregadiças e protegidas por cabo de aço, obrigando ao visitante cautela ao andar pelas trilhas, algumas se encontrava interditadas. Do topo vê-se uma beleza extraordinária, visão mágica deslumbrante, você é invadido por um sentimento místico, e não consegue sentir os dentes, o frio cortante parece coagular seu sangue, a falta de ar, uma vontade de morrer ou voar entre as nuvens qual condor. A rarefação do ar nas elevadas altitudes dos Andes pode provocar o soroche – mal-estar de montanha (uma sensação de tortura, calafrios e dor de cabeça).

Hoje chegando aos 60 anos não faria novamente essa caminhada. É tão perigosa, que durante a estação chuvosa, os passeios são fechados. Do cume da montanha a visão que você tem do vale é estarrecedora, impressionante e assustadora. De acordo com o jovem guia Pablito, no topo era residência do sumo sacerdote. Não vi espaço suficientemente para existência de um palácio. Bem próximo ao pico existe uma grande rocha, esculpida no centro, que malmente passa um homem de estatura média.

Cuzco, a capital do império

A cidade de Cuzco era o coração e o centro exato do império. Ao norte ficava a região do Chinchaysuyo (hoje Equador e parte superior do Peru), a oeste o Condesuyo (regiões costeiras), ao sul o Collausuyo (área dos altiplanos da Bolívia e Peru) e a leste o Antisuyo (a região da selva amazônica). Cuzco está num local privilegiado, no início de um desses vales (rio Vilcanota) a 3.400 m de altitude e um dia de marcha de outro vale, o que acompanha o rio Urubanba.

Para se conhecer Machu Picchu é preciso ir à cidade de Cuzco, capital do departamento do mesmo nome, centro da cultura andina no Peru. Quem visita Cuzco pode observar em meio aos prédios da época colonial restos das construções incas: palácios, templos, muralhas de granito, vias pavimentadas. Quase todas as construções, especialmente na área central, foram erguidas sobre fundações feitas pelos incas. Chamam à atenção notável a forma pela qual os incas talhavam e poliam os imensos blocos de pedras usados nas suas construções.

Há quem prefere mergulhar nos mistérios que as montanhas escondem ao percorrer a trilha de pedras justapostas que interliga as ruínas das antigas cidades. Ao final da jornada surge à maravilhosa e imponente Machu Picchu, que guarda os segredos perdidos da impressionante civilização Inca. É possível concluí-la em três dias e necessitará de uma preparação física para percorrer os quase 40 km. Contratam-se guias e carregadores experientes para levar os mantimentos. O primeiro dia percorre-se 14 km é o trecho mais fácil da empreitada, com uma altitude de 600 metros. O segundo dia enfrenta-se 8,5 km, com uma altitude de mais de 2.000 metros. O terceiro e último dia enfrenta-se 17,5 km é a caminhada mais difícil, onde a altitude que varia de 2.700 a 4.000 metros, deixa os andarilhos sem fôlego. Existem no Brasil algumas empresas especializadas em roteiros diferenciados para destinos que reúnem natureza, cultura, aventura e conforto em doses bem equilibradas.

Filhos do Sol

Os Incas adoravam o deus Sol (Inti) e a ele dedicavam festas, rituais e templos que se espalhavam por todo o império. O Sol, deus bom e generoso, casado com a Lua (Killa), era considerado pelos incas como o pai da raça. Todos os soberanos incas eram tidos como representantes de Inti na terra, com exceção de Huayna Cápac, tratado como personificação do próprio deus. Embora o culto a Inti tenha feito dele o deus oficial e unificador de todo o império, os incas adoravam também outras divindades, algumas próprias e outras pertencentes a povos conquistados.

Machu Picchu

Construída planejadamente de acordo com sua organização social, a cidade foi dividida em vários setores, com o bairro industrial, onde funcionava a indústria metalúrgica, o bairro intelectual; e o bairro agrícola, com os seus terraços para agricultura, imensos andares em forma de degraus onde os habitantes cultivam milho e batata entre outros.

Machu Picchu é a maior atração turística do Peru. Trata-se de uma cidade do antigo império Inca, erguida sobre o vale do rio Urubamba a cerca de 2430 metros de altitude, em meados do século XV. Acredita-se que tenha servido como fortaleza de algum monarca, mas até hoje não se sabe exatamente, qual era sua função. Nos seus tempos de glória, estendia-se por uma área de 5 quilômetros quadrados, possuindo templos, moradas e terrenos utilizados para a agricultura. Seus projetistas empregavam técnicas de engenharia avançadas para minimizar o efeito dos terremotos. Após o colapso da civilização inca, Macha Picchu ficou oculta na selva, durante séculos, tendo sido redescoberta em 1911, por acaso, pelo aventureiro norte-americano Hiram Bingham. De inestimável valor arqueológico o local foi declarado patrimônio da humanidade em 1983.

Ainda hoje se discute se a capital religiosa, fortaleza ou centro residencial. As construções demonstram concepções especiais arrojadas e técnicas avançadas de cantaria, com que os incas ficaram famosos como arquitetos. A severidade e a imponência dessa arquitetura parece refletir o caráter guerreiro desse povo. O que se sabe, comprovadamente, a respeito do surgimento dos incas, é que no século XIII eles já habitavam os férteis vales perto de Cuzco, que mais tarde viria a ser a capital do império. Era um grupo dominado por outros povos da região. Com o tempo, porém, graças à sua habilidade militar e à sua organização, os incas acabaram se impondo. São muitos os mistérios que ainda cercam a história desta cidade. Sabe-se que no século XVI foi refúgio da resistência indígena contra a conquista espanhola, depois que Cuzco – a capital do Tahuantinsuyo, como era chamada o Estado Inca – caiu em poder dos conquistadores.

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