segunda-feira, 5 de julho de 2010

O CONTISTA JEOVÁ SANTANA

GILFRANCISCO: Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
Um bom contista é aquele que tem a capacidade do ousar, de lançar-se sem medo e ter o poder de colecionar detalhes ou cenas quaisquer. Ele nunca perde o rumo e sempre consegue dar emoção e encantamento à nova maneira de dizer, deixando a linguagem desempenhar o seu papel de representação de si mesma. Essas são algumas características do estreante contista Jeová Silva Santana, Menção Especial do Prêmio Núbia Marques – Contos, Dentro da Casca, Aracaju, Fundesc/Segrase,(abas da professora. Maria Lúcia Dal Farra), 1993, 58 p.
Na obra em questão, vamos encontrar um escritor preocupado com o destino do homem e perplexo diante dos desencontros que marcam a nossa época, ao tempo em que revela um tratamento e estilo que mostram a constante evolução (experimentos) de sua prosa, em busca de depuramento formal, e de sempre melhor transmissão de idéias. De modo geral, sua narrativa (o narrador pode estar muito próximo ao que conta, por vezes sendo até sua própria personagem, como pode afastar-se e narrar com pretensa indiferença), está voltada para um passado recente, resgatado pela memória. Esta distância – que é espacial e temporal em relação ao narrador, ainda que os tempos verbais coloquem-se por vezes num pretenso presente – facilita a perspectiva de empatia com que ele se refere às suas criaturas.
Sobre o livro de estréia diz o crítico Alberto Carvalho (1932-2002): "Jeová tem duas qualidades de um escritor: domínio da língua e imaginação. Isto permite que seus "exercícios" (como, modestamente, ele denomina suas ficções) explore as possibilidades do mercurial gênio do conto e extaia da concisão, o relato curto, o conto fora da casca, que pode oscilar entre a narrativa alongada chegando até a novela". Ou Antonio Oliveira: “Vem confirmar as boas qualidades do ficcionista já conhecido e premiado de suplementos e antologias. Uma coisa, porém, é o que se pode perceber e avaliar em escritos avulsos, esparsos, preferenciais, e outra, bem diferente, a abordagem que permite um conjunto de dezoito contos”. Como se pode observar com clareza, no conjunto dos contos do livro Dentro da Casca, o autor apresenta surpresa das coisas que são realmente novas e originais. Onde a dolorosa solidão e a incomunicação humana são traduzidas especialmente pelo despojamento completo do cenário cotidiano. A visão de um mundo amargo é transgredida por certa ironia, perpassando pela maioria dos textos. Todo o absurdo da condição humana está presente, com suas contradições afetivas, morais, sociais, religiosas, que se cristalizam algumas de suas principais características de ficcionista.
A Ossatura (Recife, Editora do Autor/Edições Bagaço, 2002, 140 p.), seu segundo livro, reunindo vinte cinco contos, divididos em quatro partes: I Iniciação, II Véus, II Agrestes e IV Lápides, mereceu na época de sua publicação, um lúcido comentário do crítico Léo Mittaráquis: "A Oussatura traz o sinete do amadurecimento lírico do autor. E o que é muito interessante, o demonstra via uma aparente simplicidade arquitetônica, quando percebemos nas pequenas cidades, numa primeira leitura caracteristicamente descuidada, apenas fachadas geométricas, típicas das casinhas em rosa e azul, quase que imanentes à cultura interiorana, incluindo-se dia-a-dia e imaginário".
Jeová Santana persegue as palavras dias e noites por becos assombrosos, às vezes habitados por terríveis fantasmas, atravessando tormentas, correndo todos os riscos da loucura que é produzir, textos de supremo prazer experimentado por poucos; sempre em busca de uma linguagem inovadora. A emoção do contista-poeta cresce nas graduações do amor que a cidade revela, com suas ruas e ofícios que afloram de outras cidades. Assim, juntos, memória e coração, produzem em gestos de amor candente, um texto que palpita de suas fissuras cósmicas.
Para o contista Jeová Santana, cada palavra tem um peso, um valor, um volume, uma cor própria, uma medida justa. Em linguagem direta, às vezes dura, mostra-nos um painel da realidade que nos circunda, vista através de um microcosmo que reproduz o macrocosmo. Uma reflexão sobre a violência, poder e opressão em todos os níveis, que se unem para asfixiar o ser humano
Tudo nos chega em termos convincentes, num texto trabalhado por alguém que se debruçou sobre o fenômeno e o sentiu na própria pele, para que ele busque dar sempre mais o testemunho de seu tempo e de sua gente. Não é a primeira vez – nem a última, por certo – que afirmamos ser Jeová Santana possivelmente o escritor (da sua geração) de melhor texto entre todos os que hoje se dedicam às letras em Sergipe.
Inventário de Ranhuras (Brasília, L.G.E. Editora/Fundação Universidade Estadual de Alagoas/Banco do Nordeste, 2006, 183 p.), obra que apresenta trinta e cinco contos, divididos em quatro partes: Porões, Lâminas, Guardados e Alcovas. Em cada um desses compartimentos "o autor exercita mais do que o seu olhar, o seu andar por dentro da consciência, na qual os homens remoem as suas culpas, os seus pecados, os seus descasos ou procuram escapar às suas dores, às suas falhas", assim, define a romancista sergipana Gizelda Moraes. O consagrado contista maruinense, Vladimir Souza Carvalho, sobre Inventário de Ranhuras afirma: "mantem-se, formalmente, na mesma linha do livro anterior, no qual se relaciona, especificamente, a divisão de temas". E prosegue adiante no mesmo artigo "reitera sua excelente posição entre os melhores contistas sergipanos, na atualidade vivida, já manifestada, anteriormente, com Dentro da casca, depois com A Ossatura e, agora confirmada, com Inventário de Ranhuras".
O domínio de Jeová Santana surpreendente, de técnicas e linguagem inovadora graças ao amadurecimento literário é um fato que não podemos negar; talvez, por ser uma das maiores surpresas reveladas no conto, pela literatura sergipana dos últimos dez anos. O contista tem ainda inédito sua tese de mestrado, defendida em 2000, na Universidade de Campinas (Unicamp), A Crítica Cultural no Ensaio e na Crônica de Genolino Amado
Jeová Silva Santana nasceu em Maruim em 17 de outubro de 1961, mas desde os três meses de idade reside em Aracaju onde fez todos os seus estudos. Formado em Letras pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), foi um dos coordenadores do suplemento Arte & Palavra (1990/1993), do extinto Jornal da Manhã e assinou a seção Outras Palavras (1995/1996), no semanário Cinform.

A quem interessar Possa (Fortuna Crítica)

- Dentro da casca (abas), Maria Lúcia Dal Farra. Aracaju, Dentro da casca, Jeová Santana. Segrase,
1993.

- O conto fora da casca, Alberto Carvalho. Aracaju,Arte & Palavra,Ano III, n.35, ago. 1993.
- Um livro surpreendente. Aluysio Mendonça Sampaio. Aracaju, Arte & Palavra, Ano III, n.35,
ago. 1993.
- Jeová Santana e seus primeiro livro, Antônio Oliveira. Aracaju, Arte & Palavra, Ano III, n.36. set.
1993.
- Os Ossos do Ofício, Léo Mittaraquis. Revista Aracaju Magazine, 2003.
- Maruim, Jeová, Ossatura, & Cia, Vladimir Carvalho. Aracaju, Jornal da Cidade, 29. abr. 2003.
- O silencioso ofício de Jeová Santana,Luiz Eduardo Oliveira. Aracaju, Jornal da Cidade, 28/29.
mai. 2003.
- Em busca de novos públicos, Cinform. Aracaju, 13 a 19. mar. 2006.
- Entre cascas, ossaturas e ranhuras: a contística de Jeová Santana, Luiz Eduardo Oliveira. Aracaju,
Cinform, 10 a 16. abr. 2006.
- Inventário de Ranhuras, Vladimir Souza Carvalho. Aracaju, Jornal da Cidade, 20. abr. 2006.
- O contista Jeová Santana, GILFRANCISCO. Aracaju, Cinform, 21 a 27 de jun. 2010.

Nenhum comentário: