segunda-feira, 25 de outubro de 2010

SOLIDÃO E ANGÚSTIA NA OBRA DE RAUL POMPÉIA

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

Autor do romance O Atheneu que completou 125 anos de morto é a revelação da solidão de uma alma poética e angustiada, dentro de uma sociedade impossível e cruel. Republicano e abolicionista, Raul Pompéia pelo consenso da crítica e consagração do público, com este livro firmou-se como um dos maiores romances brasileiros, fugindo aos quadros do Naturalismo e do Realismo, tal como eram praticados entre nós, para inaugurar a prosa impressionista em nossa literatura. A Editora Cultrix acaba de reeditá-la numa belíssima edição, preparada pelo professor Francisco Maciel Silveira da USP, além do texto integral, com ilustrações do próprio autor.
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Realismo que se confunde em vários aspectos com o Naturalismo designa toda tendência estética centrada no real, e suas origens situam-se na França pela segunda metade do século XIX. Os realistas preconizavam um enfoque objetivo do mundo, em oposição ao subjetivismo romântico e para tanto propunham substituir o sentimento pela razão ou pela inteligência, o egocentrismo romântico pelo universalismo científico e filosófico. O Realismo não foi apenas uma doutrina estética definida na França, com a pintura de Courbet e o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert (1821-1880), tanto quanto o Classicismo e o Romantismo foi uma revolução cultural de amplo e profundo sentido. Esta se definiu antes de tudo, por uma atitude do homem por uma nova concepção densa realidade. Definidas as linhas da revolução no campo cultural e política, através de obras de pensamento e de ficção, ele se espalhou dominando os espíritos, em grande parte da Europa.
A produção literária e intelectual nesta época no Brasil era pobre e os artistas vinham de diferentes classes sociais uma consonante com as tendências modernizadoras e outras decadentes. Devido às suas posições radicais, Raul Pompéia foi influenciado pelas leituras de políticos e pensadores europeus em voga, e dos romances Realistas e Naturalistas. Desta forma, iniciou nas letras assumindo uma participação consciente nos acontecimentos do país, emprestando seu talento de jornalista e panfletário, onde esta sua verdadeira vocação, ao contrário da advocacia, que nunca despertara nenhum interesse. Este ardente espírito revolucionário vem desde os anos acadêmicos, onde firmou entre os colegas e na imprensa posição bem nítida de ardoroso adepto e propagandista das idéias progressistas da sua geração, quer no campo político (republicanismo e abolicionismo), quer no campo intelectual e estético.
Raul D’Ávila Pompéia nasceu em Jacuecanga, município de Angra dos Reis, a 12 de março de 1863 no Estado do Rio, transferindo-se com a família dez anos depois para residir na Corte, onde estuda como aluno interno no Colégio Abílio. Época em que demonstra dote de caricaturista e de escritor, no redigir e ilustrar o jornalzinho Archote, onde satirizava os alunos do internato. Em 1879, transfere-se para o colégio D. Pedro II e dois anos depois viaja para São Paulo, a fim de matricular-se na Faculdade de Direito, e lá participa das campanhas abolicionistas e republicanas, passando a colaborar em vários jornais. Militante pela renovação de idéias na vida brasileira, desempenhando um autêntico papel pelo sentimento da realidade social, através da imprensa brasileira: A Rua, Diário de Minas, A Notícia e Jornal do Comércio. Seu desempenho na luta revolucionária, ao lado de Luis Gama, Antonio Bento e outros, causaram-lhe a reprovação na Faculdade, mas em compensação torna-se redator-chefe do Jornal do Comércio e vê-se obrigado a transferi-se para Recife, a fim de concluir o curso. Diplomado, retorna ao Rio de Janeiro para dedicar-se a literatura e ao jornalismo.
A partir da instalação da república, o romancista exerce cargos de confiança: Secretário e Professor de Mitologia da Escola de Belas Artes em 1891, Diretor do Diário Oficial e da Biblioteca Nacional em 1894. Com a morte do Marechal de Ferro no ano seguinte, foi exonerado do seu cargo no primeiro despacho do Presidente Prudente de Morais, em virtude de ter ele feito um discurso violento no cemitério São João Batista, quando foi inaugurado o mausoléu do Floriano Peixoto, no qual desacatou o Presidente da República. Esta atitude de Pompéia serviu de pretexto para que Luís Murat escrevesse o artigo Um louco no cemitério, onde insulta e condena a exoneração do escritor. Sua resposta esclarecendo sua posição sobre os acontecimentos é imediata, mas nenhum dos jornais em que colaborava quis publicá-la, emendo comprometimentos. Devido às perseguições e calúnias sofridas, o escritor resolve por fim à vida aos trinta e dois anos, em 25 de dezembro de 1895, deixando uma nota encaminhada ao jornal A Notícia, onde se declarava ser um homem de honra, sepultando consigo as ardentes revoltas, anseios e inquietudes de um grande nacionalista.

O Ateneu começa no momento em que o jovem Sérgio, franqueia a porta do colégio e termina mais ou menos dois anos depois na contemplação do edifício, sendo devastado pelo incêndio. É neste castelo fantasmagônico ou colégio-fortaleza, onde todos os fatos se desenvolvem, com sua descrição minuciosa, e este desenlace, tal um fim violento de tragédia, é uma vingança e uma definitiva autodestruição do Ateneu. Publicado em 1888, são relatos sobre o meio em que o romancista viveu hostilizado e torturado, onde nunca se identificou com tais imposições e rebela-se expressando suas idéias com segurança e firmeza surpreendente. O Ateneu é a vida psicológica dos internos do Colégio Abílio, dirigido por Abílio César Borges – Barão de Macaúbas, especificamente uma vingança contra o seu internamento involuntário, contra os dirigentes da instituição, contra todo o processo educativo estabelecido, não só neste internato, mas referindo-se a sociedade conservadora brasileira.
Esta obra-prima, consagrada pela crítica e público, é marco do romance brasileiro, é sem dúvida uma vingança pessoal, pois existiu dentro de si, algo bem escondido, indecifrável e nunca revelado, talvez em conseqüência de não possuir amigos. Este romance tem representado um desafio à crítica brasileira: José Veríssimo o considerou naturalista; Silvio Romero o aproximou como simbolista; Araripe Junior enveredou para a área do romance psicológico e Agripino Grieco descobriu o impressionismo em sua prosa. O Ateneu não registra apenas uma experiência autobiográfica, mas uma experiência nacional: a do colégio como um pequeno mundo infinitamente social, onde o internato é o reflexo desta sociedade e por isto espalha para si, todos os privilégios hierárquicos fundados do poder econômico e na injustiça social.

Portanto, este romance é uma experiência coletiva, onde o autor retrata a sociedade brasileira do segundo Império, desvendando todos os fundamentos das conexões,entre sua infra-estrutura e suas instituições. Graças a sua grande sensibilidade, construiu um romance impar em nossa literatura, que não apenas revive ressentidas lembranças de um internato masculino, mas seus pequenos dramas e inquietações, acentuadas por feminina morbidez. O Ateneu é um dos maiores livros das nossas letras, mas devido à miséria da nossa cultura, a escassez da bibliografia crítica sobre o autor é significantemente contrastante, em relação aos estudos sobre outros autores de importância infinitamente menor. Qualquer que seja o aspecto no que se deseja estudar sua obra, o que interessa mais talvez, esteja sob o signo da confissão do autor, e ninguém melhor do que ele, para demonstrar o prisioneirismo de si mesmo e incapacidade de comunicações profundas, sempre se mostrou importante para amar a alguém e até para amar a si mesmo.

Outras Publicações
Uma tragédia no Amazonas foi sua estréia em 1880, novela que segundo o crítico Capistrano de Abreu caracterizou como um romançalho, e mesmo assim colocou o autor ao lado de Aluísio de Azevedo. Este livro de sátira política imatura, mas refletida por um temperamento angustiado na busca de uma nova forma. Microscópios, 1881 reúnem os contos publicados na Comédia, de São Paulo. Ante da publicação do Ateneu, Raul Pompéia fez aparecer na Gazeta de Notícias em folhetim, de 30 de março a 1º de maio de 1882. As Jóias da Coroa, onde trata sobre as investigações policiais que acabaram trazendo à tona os segredos da alcova do Imperador D. Pedro II, o que concorreu para abalar seriamente a respeitabilidade do mesmo.
Após o romance que o consagrou, foram publicadas posteriormente em 1900 as Canções sem Metro, uma antologia de poemas em prosa, publicados em 1883 no Jornal do Comércio, de São Paulo, em que trabalhou amoravelmente desde 1881. No panorama lírico, as canções podem ser consideradas uma antecipação do Simbolismo brasileiro, oficialmente inaugurado em 1893 com Missal e Broquéis, de Cruz e Souza. Este seria sem dúvida o grande livro de Pompéia, sua obsessão, por isto foi burilada e retalhada várias vezes.
Portador de uma obra irregular, Raul Pompéia deixou um romance inacabado Agonia, e esparsos em jornais e revistas (contos, crônicas e notas literárias). Eloi Pontes, grande conhecedor da obra esparsa e inédita de Pompéia, diz ser ela opulentissima e variada, e que reunidos seus contos, darão quatro volumes no mínimo e suas crônicas que não perderam a atualidade, dariam cinco volumes selecionadas.

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