domingo, 27 de junho de 2010

1964: OS MILITARES NO PODER E SEUS REFLEXOS EM SERGIPE

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luis de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


Existem razões de ordem econômica e política que, entrelaçadas, explicam o movimento militar de 1964. As razões econômicas resultam de um quadro deteriorado em que a inflação chegava a quase 100% anuais, havia descontrole das contas do governo e também no setor externo da economia. Do ponto de vista político, ocorreu o empate de diferentes forças que, na disputa do poder, acabaram se inibindo. Muita gente fala de paralisia do Congresso, pois ele praticamente deixou de funcionar. Ao lado disso, setores militares e civis estavam convencidos de que era preciso interromper o regime populista de João Goulart. Todos esses fatores explicam o movimento militar de 1964, assim como uma série de ações impensadas, como o comício da Central, no Rio de Janeiro, em que se anunciaram as reformas sem que houvesse uma capacidade efetiva de realizá-las, o golpe acabou acontecendo.

Em 31 de março de 1964, um movimento político-militar derrubou o governo constitucional de João Goulart (1919-1976); era a “revolução de 64”. No dia 2 de abril, o presidente da Câmara, Pascoal Ranieri Mazzilli, foi convocado pelo Congresso para assumir provisoriamente a presidência da República. Os ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica, formaram um comando militar que, em 9 de abril editou o ato Institucional nº1. Declarando mantida a Constituição de 1946, esse ato determinou a realização de eleição presidencial e vice-presidencial pelo Congresso dentro de dois dias, superando também certas garantias Constitucionais.
Vários políticos e militares, que não se identificavam com o regime instalado, tiveram seus direitos políticos cassados, iniciando-se um período de repressão às forças democráticas brasileiras, sobretudo às organizações de caráter socialista. O marechal Castelo Branco, eleito presidente da República pelo Congresso em 11 de abril e empossado no dia 15, desenvolveu um governo que teve como meta principal a estabilidade financeira.
Em 31 de março, o governador Seixas Dória estava ausente de Sergipe, na ocasião participando de reuniões políticas no Rio de Janeiro, mas chegou à Aracaju no início da noite, e dessa forma o vice-governador era Sebastião Celso de Carvalho (PSD) o governador em exercício no Estado.
Simpatizante com o projeto reformista do presidente João Goulart, na noite do dia 1º de abril de 1964, Seixas Dória lia no Palácio do Governo o “Manifesto aos Sergipanos” que foi transmitido ao povo sergipano pela Rádio Difusora de Sergipe.

"Sergipanos"

O Governo do Estado de Sergipe, fiel aos seus princípios, à sua linha de conduta, à sua vocação popular e ao seu passado, a todos os seus pronunciamentos feitos em doas as tribunas de todas as praças públicas deste País, afirma e reafirma, nesta hora grave e difícil da nacionalidade, seu inquebrantável e intransigente propósito de defender a legalidade e as instituições democráticas, bem como o de lutar pelo respeito e resguardo de todos os mandatos populares, sem exceção de nenhum deles.
Esta é uma hora, sergipanos, de atitudes claras, definidas e definitivas. E é assim pensando que, com a serenidade que a conjuntura exige, mas com a firmeza e o vigor que a minha dignidade impõe, declaro ao povo com a maior lealdade que jamais abdicarei dos princípios que sempre nortearam a minha vida de homem público de passado reto e ilibado. Permanecerei, outrossim, firme e decidido na luta em favor das reformas estruturais, democráticas e cristãs, que incorporem ao organismo social vivo da nacionalidade as populações marginalizadas pela vigência de uma ordem anacrônica e semifeudal.

Estas as palavras tranqüilas que teria a dizer aos sergipanos, no momento em que regresso para reassumir o Governo, recomendando a todos a maior serenidade e equilíbrio, e que evitem tudo que possa trazer maiores prejuízos e sofrimento para as massas populares tão injustiçadas e sofridas.

“Que Deus nos guie neste momento difícil da história da nossa Pátria!”
João de Seixas Dória
Governador de Sergipe


Na edição do Diário Oficial do Estado de Sergipe, Seção, Diário da Assembléia, de 5 de maio de 1964 publica três importantes documentos: A Emenda Substitutiva ao Projeto de Resolução n. 4, que declara vago o cargo de governador do Estado, a própria Resolução n. 4, com o mesmo fim, e o Projeto de Resolução, com o mesmo número, mas que declara o impedimento do governador Seixas Dória.


Projeto de Resolução n. 4

Deputado: Comissão Executiva

Declara Impedimento do Governador do Estado e da outras providências

A Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe:
I. Considerando a atual situação política do País;
II. Considerando, que, em virtude da atuação patriótica das Forças Armadas, o Governador João de Seixas Dória não mais se encontra à frente da chefia do Poder Executivo;
III. Considerando que ao Poder Legislativo, como autêntico representante da soberania popular, incumbe zelar pela paz pública.
Resolve:
Art. 1. - É considerado impedido para exercer o cargo de Governador do Estado de Sergipe o Dr. João de Seixas Dória.
Art. 2. - Nos termos da Constituição do Estado, as funções do Chefe do Poder Executivo passarão a ser exercidas pelo Vice-Governador.
Art. 3. - Esta Resolução entrará em vigor na data da sua promulgação, revogadas as disposições em contrário.
Sala das Sessões da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, em Aracaju, 4 de abril de 1964.

Fernando do Prado Leite - Presidente
José Raimundo Ribeiro - 1. Secretário
Elysio Carmelo - 2. Secretário

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Emenda Substitutiva ao Projeto de Resolução n. 4

Deputado: Antonio Torres

Declaro vago o cargo de Governador do Estado e dá outras providências.
A Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe:
Considerando que a atual situação política do País;
Considerando que o Governador João de Seixas Dória, como instrumento das forças extremistas e antipatrióticas, vem sucessivamente atentando contra a segurança e tranqüilidade do país e do Estado;
Considerando, que, em virtude da atuação patriótica das Forças Armadas, o Governador João de Seixas Dória não mais se encontra à frente da chefia do Poder Executivo;
Considerando, que o Poder Legislativo, como autêntico representante da soberania-popular, incumbe zelar pela paz pública;
Resolve:
Art. 1. - É declarado vago o cargo de Governador do Estado.
Art. 2. - Nos termos da Constituição do Estado, as funções de Chefe do Poder Executivo passarão a ser exercidas pelo Vice-Governador.
Art. 3. - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua promulgação, revogadas as disposições em contrário.

Sala das Sessões da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, em Aracaju, 4 de abril de 1964.

*****

Resolução n. 4

Declara vago o cargo de Governador do Estado e dá outras providências

O Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe:
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe decretou e a Mesa promulga a seguinte Resolução:

Considerando que a atual situação política do País:
Considerando que o Governador João de Seixas Dória, como instrumento das forças extremistas e antipatrióticas, vem sucessivamente atentando contra a segurança e tranqüilidade do país e do Estado;
Considerando, que, em virtude da atuação patriótica das Forças Armadas, o Governador João de Seixas Dória não mais se encontra à frente da chefia do Poder Executivo;
Considerando, que ao Poder Legislativo, como autêntico representante da soberania popular, incumbe zelar pela paz pública;
Resolve:
Art. 1. - É declarado vago o cargo de Governador do Estado.
Art. 2. - Nos termos da Constituição do Estado, as funções de Chefe do Poder Executivo passarão a ser executadas pelo Vice-Governador.
Art. 3. - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua promulgação, revogadas as disposições em contrário.

Sala das Sessões da Assembléia Legislativa do Estado de Sergipe, em Aracaju, 4 de abril de 1964.

Fernando do Prado Leite - Presidente
José Raimundo Ribeiro - 1. Secretário
Elysio Carmelo - 2. Secretário

Deposto pelo movimento político-militar, Seixas Dória é levado para o quartel da 6ª Região Militar, sediada em Salvador, era cassado e transferido para Ilha de Fernando Noronha, onde passaria 117 dias ao lado do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes (1916-2005).
Em face dos acontecimentos nacionais e ante o afastamento do Governo, do governador Seixas Dória, na edição de 3 de abril, o Diário Oficial do Estado de Sergipe, publica o pronunciamento do governador em exercício, Celso de Carvalho:

“Sergipanos: os últimos acontecimentos que abalaram o país e cujas conseqüências estamos vivendo, no momento, determinaram-me reassumisse as funções de Governo do estado. Proclamo, mais uma vez, meu firme propósito de manter a ordem e assegurar a paz, restabelecendo a confiança do povo, num clima propício ao trabalho honesto e construtivo. Conclamo todas as classes para a realização desses propósitos que convém ao povo e à Nação. Confiemos nas Forças Armadas do Brasil e Deus nos guie todos para melhores destinos dentro da ordem e da lei.”

Na edição do dia 10 o Diário Oficial do Estado notificava:

“A posse do novo titular do Executivo sergipano, nos termos da Constituição Estadual, procedeu-se na mesma sessão da Assembléia Legislativa, tendo o seu Presidente, deputado Fernando Leite, designado uma comissão de deputados para ir oficialmente comunicar a decisão da Casa ao Governador em exercício e trazê-lo ao recinto da sessão.”

Após ouvir as saudações, o Governador Celso Carvalho proferiu palavras de agradecimento. Disse que era sob profunda emoção que se investia na posse efetiva do Governo do Estado em circunstância tão excepcionais. Acentuou que jamais desejara a plenitude do mandato estadual nas condições em que recebia, e que sua consciência estava tranqüila por não ter contribuído para que os acontecimentos se desenvolvessem no rumo a que chegaram.
O governador recebeu várias mensagens de congratulações, conforme Edição do dia 11 de abril:

“O Senhor Governador Celso de Carvalho continua recebendo inúmeras mensagens telegráficas de felicitações pela sua investidura no cargo de Governador do Estado. Divulgamos a seguir os nomes de diversas pessoas dos mais variadas localidades do Estado e do País, que se têm congratulado com o Chefe do Governo.”

Nos anos seguintes, a repressão, o sectarismo, a situação interna e externa acentuaram a crise. O partidão (PCB) esvaziou-se. A luta armada passou a ser defendida de forma cada vez mais ostensiva. Sob a vaga guerrilheira de “Che” Guevara na Bolívia, a juventude pequeno burguesa radicalizou suas posições. Mas não era só os jovens, pois velhos militantes comunistas, como por exemplo Carlos Marighela, optaram pela via insurrecional.
Apesar da reação armada à ditadura ter começado em 1965, quando militares nacionalista foram dominados facilmente pelas forças leais ao regime, foi somente em 1968 que a esquerda marxista mergulhou na guerrilha e no terrorismo.

(Capítulo do livro, Sergipe nas Páginas do Diário Oficial)

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