segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Baladas, Palavras e Outonos - Por Gilfrancisco Santos


Baladas, Palavras e Outonos


GILFRANCISCO; jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe


Será lançado no Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Espaço Cultural Ministro Carlos Ayres de Brito, no dia 12 de novembro, às 11 h o DVD duplo “Baladas, Palavras e Outonos”, de autoria das poetisas Carmelita Fontes, Gizelda Morais e Núbia Marques, com apresentação de Luiz Eduardo Oliva, Diretor Presidente/Segrase. O livro é mais um lançamento da Editora Diário Oficial, comemorativo da passagem dos dez anos da morte da escritora Núbia Marques (1927-1999).

Afirmam alguns que o ato de criação poética é vista como o correlato da sedução que prepara o ato amoroso em si. Na verdade, os caminhos de Gizelda Morais, Carmelita Fontes e Núbia Marques pela criação artística, a um só tempo simples e ousados, renovadores e rotineiros, sagrados e profanos, vivem a nos desafiar, a intrigar público e crítica. E porque não dizer; uma poesia ardente e carinhosa que nos ampara com toda a felicidade do mundo.

Em 1960, Austrogésilo Santana Porto publica O Realismo Social na Poesia em Sergipe, um estudo regional importante focalizando a poesia sergipana no Movimento humanista revolucionário que tem em José Sampaio o seu mais lídimo representante, inclui na segunda parte do estudo denominado de Os Novos, duas jovens poetas: Gizelda Morais e Núbia Marques. Sobre a primeira diz ser “seu maior anseio é o amor humano, essa necessidade de compreensão para a superação de tudo que origina a angústia ou a tristeza nos corações humanos.” E sobre Núbia não poupa à análise “a verdade é que parece ser esse espírito da solidariedade humana que lhe conduz os passos para o realismo social. Assim, sua poesia se torna cada vez mais profundamente humana, num anseio crescente de fraternidade”.

A criação poética das três poetas, que representam em Sergipe e nacionalmente, a consolidação do Modernismo literário feminino, se afirmou com a publicação de livros individuais e projeção na área da produção cultural no estado, quer como jornalistas militantes em periódicos ou membros de entidades literárias, como o Movimento Cultural de Sergipe, Clube Sergipano de Poesia e Academia Sergipana de Letras.

“Baladas, Palavras e Outonos” impõe também emoções, cuja linha musical da obra; trata do sofrimento, do amor, da solidão na forma mais elevada da expressão e da análise artística. Há muito tempo a nossa poesia feminina tem sido sacralizada por essa trinta de ouro, que chegam com todas as palavras, baladas e outonos. O que mais surpreende nesse livro é à força da tríplice aliança, que as une aos poemas como num só grito. Essa trinca marcou presença no panorama da poesia em Sergipe, um novo continente que renasce das sombras rápidas do passado para descobrir os seus ignorados tesouros, no momento que se comemora dez anos do desaparecimento de Núbia Marques.

Todas as três poetisas cultivaram a fama de conquistar sua liberdade, de afastar-se do convencional, impulsionadas por um amor profundo, que contestava a produção artística e cultural dominante no país. Temos em mãos um livro que o leitor de poesia não pode desconhecer.


Trevas - Núbia Marques



Que angústia é essa
sem pouso nem regaço?
Que medo é este
que alarma as primeiras horas da manhã?
Que dor é esta
que traz no seu desatino os nati-mortos do amor!
Flores espalham-se entre assombros
A espada é mais que lírio
As árvoes despidas,
mendigas do carinho
plantadas no chão das madrugadas
morrendo antes da primavera


Que homens são estes
que têm na mão o estigma da morte?
Que agonia é esta
assanhada por ventos perplexos?
Que desengano é este
que arrasta consigo as trevas da voz
paridas pelo caos:

É a noite poeta
E a morte sem termo
o desespero o terror

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Célio Nunes - Por Gilfrancisco




O jornalista e contista Célio Nunes


GILFRANCISCO – Jornalista, professor da Faculdade São Luiz de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.



Foi durante a realização do V Fórum de Poesia, em outubro de 1993, onde apresentei uma comunicação sobre Vladimir Maiakóvski (1893-1930), que conheci pessoalmente Célio Nunes, apresentado pelo jornalista Paulo Afonso Cardoso da Silva, época em que era diretor de redação do extinto Jornal da Manhã (hoje Correio de Sergipe), cujas páginas abrigou o suplemento cultural Arte & Palavra (1990-1993), por ele idealizado.

Célio Nunes da Silva nasceu a 11 de outubro de 1938 em Aracaju, filho de José Nunes da Silva e Júlia Canna Brasil e Silva, fez seus estudos nesta capital, primeiramente no grupo General Valadão e depois no colégio Atheneu Sergipense. Seu pai, operário gráfico, de jornais e da Escola Industrial (antiga Escola Técnica), foi lider classista, desde á década de 20, ligado ao movimento comunista e ao Centro Operário Sergipano, onde fervia todo o movimento operário sindical, inclusive com passeatas, greves e edições de jornais. Por isso foi preso em 1935, pelo Interventor Eronides de Carvalho, voltando a ser processado pelo golpe militar de 1964.
Aos 22 anos de idade foi residir na Bahia, em Salvador e em Itabuna, região Sul, onde morou por mais de uma década, exercendo o jornalismo profissional - foi repórter, redator e correspondente no Sul da Bahia dos jornais: Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia e A Tarde;- trabalhou em jornais de Itabuna e Ilhéus - e exerceu funções públicas no Estado da Bahia, entre as quais Diretor da Divisão de Cultura da Prefeitura de Itabuna e Diretor da Câmara Municipal de Itabuna. Célio Nunes participou ativamente do movimento cultural do Sul da Bahia, inclusive do movimento de Teatro Amador. Teve publicados trabalhos literários, principalmente, contos, em jornais, revistas e coletâneas na Bahia: Conto 2, Itabuna, 1967 e Moderno Conto da Região Cacaueira (org.) Telmo Padilha (1930-1997), 1978.

Em 1972 retornou a Sergipe, trabalhando na impressa e no serviço público. Foi incluído nas antologias, Contos e Contistas Sergipanos (org.) Núbia Marques (1929-1999 ), 1972; e Prosa Sergipana (org.) José Olyntho e Márcia Maria, 1992. Em 1980, publica Trajetória para a Ilha dos Encantados, Aracaju, Edições Desencanto, 94 pp., em que reúne contos produzidos entre 1965 e fim dos anos setenta, segundo ele, “ Elaborados em várias épocas, não sei se apresentam algo característico/individual que permaneça implícito na minha saga no mundo da ficção. Desde cedo que escrevo, coloco na gaveta, retomo idéias, grande parte de trabalhos abandono, renego, rasgo, perco, outra parte guardo como significação apenas de um momento, lado afetivo/sentimental; a angústia existencial, os caminhos e descaminhos, o pré-auto-jugamento, são obstáculos na decisão de divulgar o que às vezes considero sem significação”.
Naquele tempo de dispersão e oportunismo, o contista Célio Nunes é um dos que reagiram e optaram pela transgressão da linguagem, com um espírito requintado, carregado pelo fetiche da arte de narrar. Com a publicação de Réquiem para José Eleutério (abas de Léo A. Mittaraquis), Aracaju, Funcaju, 224 pp, 2000, Célio Nunes parece assumir, de uma vez por todas, a magia de transformar palavras em imagens, imagens em vivências capazes de impressionar profundamente o leitor. Não é preciso avançar muito em sua leitura para que a essência da obra se revele. Os contos de Réquiem para José Eleutério (quinze contos e uma novela), possuem uma homogeneidade de concepção que os situa numa mesma pauta e num mesmo ritmo de realização formal.
Célio Nunes, finalmente, retoma a sua trilha, na perplexidade da sua caminhada entre desencontros, mistérios e indagações, com a determinação única de contar histórias e com a convicção de que não está sozinho, pois necessita dividir suas angústias, desilusões e ilusões. Tendo como matéria-prima, o dia-a-dia, Célio Nunes o transforma em seus contos de maneira magistral, extraindo do cotidiano o humor, o drama, a ironia, o lirismo, a luta, o sonho humano, o brilho das ilusões, o agudo, mistério dos encontros e os caminhos que se cruzam e entrecruzam.
O contista Célio Nunes, como uma energia da natureza, cuja voz é a própria matéria germinal do universo, consegue em seus contos ilustrar com clareza seu pensamento, procedendo por um preciso esquema de montagem, para chegar à demonstração do que é ser um bom contista, entregando ao leitor uma valiosa contribuição na leitura daquilo que acontece. Como ficcionista, Célio Nunes nos dá mostras de profundo conhecimento da matéria e de incomum e lúcida capacidade de penetração, quanto a forma, ao processo da narrativa e à construção de idéias.
Escritor singular tanto na inventividade quanto na armação plástica de cada conto, Célio Nunes utiliza-se de uma linguagem enxuta, estilizada, incensurável que sobrevem como uma resultante desse fluxo poético que valoriza definitivamente sua narrativa. Apesar de todos seus vaivéns, e ainda com todas suas contradições, é um dos poucos nomes mais significativos, tanto por sua qualidade própria, como por sua influência, no conto das últimas décadas nas letras sergipanas, embora mantendo-se relativamente à margem desse processo. Por isso sua contribuição é mais difícil de reconhecer, o que não implica seja menos poderosa e atuante ao longo dos anos.
Outro aspecto que destaca o contista Célio Nunes é que está sempre de olhos bem abertos, fala dos intricados caminhos das relações humanas; as palavras têm a generosidade e o desespero de se darem a ver, a sentir, tudo aqui e agora, em perfeita sintonia com a visualidade do nosso tempo.
É preciso remarcar ainda a presença de uma linguagem amadurecida e forte, a boa capacidade de fabulação, que dão a esperança de que Célio Nunes tenha mais coisas para nos oferecer. Em 2005, publicou mais outro de contos; O Diário de W. J. e outras histórias. O conjunto de sua obra foi saudado pela crítica especializada, comprovando o talento deste que é hoje um dos mais importantes autores sergipanos. Como cronista literário, através da coluna "De 7 Em 7", atuou no jornal semanário, Cinform, entre os anos de 2005 e 2006.


Microcontos

Levado pelos amigos Paulo Afonso Cardoso e Wagner Ribeiro que insistiam na publicação do livro Microcontos, Célio Nunes, juntamente com o filho e também jornalista Claudio Nunes, procurou o diretor-presidente da Segrase - Serviços Gráficos de Sergipe, Luiz Eduardo Oliva, para viabilizar a edição através da Editora do Diário Oficial. Acertada a parceria e iniciada a editoração, fomos surpreendidos com a morte súbita do autor.

Experimentalista de grande humor e criatividade literária, Célio Nunes é o autor de reconhecida literariedade. Em Microcontos, demonstra mais uma vez seu talento de contista, exibindo uma técnica narrativa muito moderna, numa ficção altamente criativa, para atingir a técnica mais apurada do contador de casos, escrevendo em estilo desenvolto e preciso. Cada conto de Célio Nunes é uma metáfora do real, parte sempre da realidade concreta e a transfigura: partindo de um simples episódio, constrói o seu micromundo ficcional, captando pedaços de vida, aspectos escondidos da realidade, um olhar quase oculto, um rosto, um segredo, um silêncio.

Em Microcontos, o contista megulha em si mesma, numa sondagem da próprio intimidade, uma literatura composta numa linguagem abrandada e doce, como se desejasse penetrar no interior das coisas. Nesse mais recente trabalho procurou a transcedência - o lugar de todos os tempos, fora do tempo, o único espaço que escapa à morte. Nestes anos de atividade intelectual Célio Nunes publicou. além dos quatro livros de contos, centenas de artigos literários, cuja a diversidade e engajamento formam as duas características que mais ressaltam em sua obra. Como poucos deu a sua obra um caráter empenhador procurando sempre atribuir-lhe uma função, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista estético cultural. Assim, Célio Nunes firmou sua fama de excelente contista. Sobre o livro, diz Plinio Aguiar "o que o escritor sergipano Célio Nunes chama de mocrocontos configura-se como um texto com poucas linhas, dosado com alta densidade ficcional e, como característica peculiar de sua prosa, enveredando pelo insólito, buscando surpreender sempre o leitor".


Falecimento


O jornalista e contista Célio Nunes morreu no final da manhã de 13 de agosto de 2009 em sua residência, à rua Carlos Burlamarqui, vítima de infarto agudo do miocárdio, aos 72 anos. Seu corpo foi velado na Osaf e o sepultamento realizado às 10 horas do dia seguinte no cemitério Santa Isabel. Simples, amigo de todos e amante da cultura sergipana, Célio Nunes iniciou-se no jornalismo nos fins dos anos 50, no seminário Folha Popular, órgão do Partido Comunista. Integrante da União da Juventude Comunista e do PCB, em 1959 vai para Salvador para concretizar o sonho de ser jornalista. Trabalha no Jornal da Bahia, depois na Tribuna da Bahia,mas fixa residência durante 13 anos em Itabuna, onde residia seu irmão, o poeta e também jornalista, Hélio Nunes, proprietário de uma pequena gráfica, onde editava o Jornal de Notícias. Além de desempenhar suas funções de jornalista no Diário de Itabuna e nos tablóides Desfile, Flâmula e SB Informações & Negócios. Em Ilhéus, teve passagem pelo Diário da Tarde e Correio de Ilhéus, dedicou-se a atividades culturais na região: diretor da Secretaria da Câmara de Itabuna e diretor do Departamento de Cultural da Prefeitura. Em 1964 durante o regime militar, ainda residindo em Itabuna foi preso pelo Exército por apoiar as Ligas Camponesas na invasão à cidade de Belmonte.
Retornando a Salvador em 1972, cursa os primeiros semestres do curso de jornalismo da Universidade Federal da Bahia – UFBA, registrado como jornalista profissional conforme lei de regulamentação de 1971, abandona o curso. Retornando a Aracaju, foi assessor de imprensa do antigo Condese e depois da Secretaria de Planejamento onde se aposentou. Trabalhou ainda na Gazeta de Sergipe (redator), Jornal da Cidade (redator e editor); e no Jornal da Manhã (redator, editor e diretor geral), onde criou o suplemento cultural Arte & Palavras que marcou sua passagem no cenário literário, divulgando poetas e escritores sergipanos, que não dispunham de maiores espaços nos jornais diários.
Fundador do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe, do qual foi presidente por suas vezes; membro da direção da Federação Nacional dos Jornalistas; Presidente da ASI – Associação Sergipana de Imprensa; chefe da Assessoria de Comunicação da UFS; Membro do Conselho Estadual de Cultura; Diretor-Presidente da Segrase – Serviços Gráficos de Sergipe. Publicou quatro livros de contos: Contos (1963); Trajetória para a Ilha dos Encantados (1980); Réquiem para José Eleutério (2000); O Diário de J.W. E outras Histórias (2005).









CLEOMAR BRANDI - por Gilfrancisco Santos

Foto de Jorge Henrique Oliveira


Cleomar Brandi, um Professor de vida que todo aluno gostaria de ter.

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França, membro do IHGS e consultor editorial da Segrase.


"sou um homem muito feliz, porque eu não sou um homem solitário"


Cleomar Ribeiro Brandi nasceu no dia 18 de janeiro de 1946, na cidade de Ipiaú (Mesorregião Sul-baiano). Sua carreira de jornalista tem início no IRDEB - Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia, foi lá que o conheci, no tempo do historiador Cid Teixeira (Pergunte ao José). Lá Cleomar fez parte da primeira equipe de redação da Rádio Educadora da Bahia, AM e FM. Em Aracaju há 24 anos começou no jornalismo sergipano na Rádio e TV Aperipê, passando pelo Jornal de Sergipe, TV Sergipe, TV Jornal, Delmar FM, Revista Sergipe, TV Caju, Tribunal de Justiça (onde foi responsável pela revista Judiciarium. Em 2004 com o publicitário e cantor Paulo Lobo, lançam o Jornal da 13, depois transformado em revista. Sua vinda para Aracaju foi motivada pelo convite de Raimundo Luiz, que na época era secretário de João Alves, para fazer parte da equipe da implantação da TV Aperipê e logo aceitou o convite que se somou a um antigo desejo de ficar próximo ao irmão que já morava aqui.
Reencontrei Cleomar em abril de 1997, numa tarde/noite chuvosa no Bar e Restaurante Crase (hoje O Renatão), ao lado do Iate Clube), quando eu lançava pelo UNIT/Editora BDA, o livro Gregório de Mattos:o boca de todos os santos. O tempo estava molhado por uma chuva miúda, triste e constante, como diria Jorge Luís Borges, era "uma chuva minuciosa", mas nada desanimou nosso reencontro patrocinado pelo amigo editor Ubirajá Campos, uma noitada de muitos casos, muita falação sobre os companheiros das letras baianas. Recordamos dos encontros com Raulzito (Raul Seixas), Perinho Santana, Thildo Gama, Waldir Serrão, as matinés do Cine Roma, viajamos pelo interior do Instituto Normal da Bahia, onde estudamos em épocas diferentes, localizado no barrio do Barbalho, citado por Gilberto Gil na canção Tradição “conheci uma garota que era do Barbalho/uma garota do barulho/namorava um rapaz que era muito inteligente/um rapaz muito diferente”.
Comenta ele, saboreando uma loira gelada “o que bem me lembro dessas escolas é que se valorizava muito a educação formal e a leitura e redação diária eram obrigatórias, tanto assim que tínhamos que fazer ditado, dissertação, redação e composição e saber distinguir cada uma delas, o estilo e tudo mais. Acredito que isso ajudou muito em minha carreira futura de jornalista”. A partir dessa visitação, passei ao convívio amoroso e gratificante do sábio coiote, que contava várias farsas históricas dos homens públicos de Sergipe. Via semanalmente na redação do Jornal da Cidade ou o encontrava em algum boteco da cidade e sempre dávamos continuidade as lembranças da velha e triste Bahia gregoriana, em noitadas etílicas: Bar do Sapatão, Amanda, Arrumadinho do potiguar Benício, Toca do Coelho ou na residência de alguma dama de verde, ou uma socialite verdeluz. Depois da farra, levava-o até a sua residência ao lado do G Barbosa da Avenida Francisco Porto, ficava numa ruinha que na Bahia a gente chama de beco. Ia seguindo sua fofinha brasília cor de mel ao chegarmos eu retirava do carro a cadeira de rodas, o acomodava até que ele adentrasse á residência.
Por mais de uma vez o encontrei no Teimond com seu irmão, jornalista do matutino baiano A Tarde, Francisco Ribeiro, o Chico Neto, que me deu guarida nos anos 70, juntamente com o saudoso amigo Luiz Orlando e Celinha, quando me dirigia a Buenos Aires, época em que Chico morava em Porto Alegre e trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil. Bons momento passamos na Borges de Medeiros, longas caminhadas pelo Parque Farroupilha e uma bebedeira infernal no restaurante de Lupicínio Rodrigues.
Deixemos que o próprio Cleomar dê um testemunho sobre sua infância na cidade natal: "pescávamos belos piaus de cima do cais: plataforma exata para grandes mergulhos na água que nos acolhia. O grande abacateiro do quintal era a grande vigia de onde lá de cima, me sentia Robinson Crusoé, os babas com os irmãos, os filmes do Cine Theatro Éden, o cheiro do pão fresco saindo do grande forno da Padaria Minerva, a manteiga derretendo no milagre do pão quente e aberto, as histórias de assombração, as brincadeiras de guerra nas pilhas de cacau do grande armazém de Tio Coló, os bois soltos nas ruas nos dias de matança, um corre-corre danado e a gente jogava sal no fogo, pois diziam que deixava os animais mais brabos".
Cleomar Brandi, um dos intelectuais mais respeitados e admirados de Sergipe, escritor talentoso, jornalista brilhante, ético e responsável. Muitos aprenderam sobre o exercício do jornalismo sadio ao ler, os seus artigos pelas páginas do Jornal da Cidade, influente periódico da capital sergipana. Lições de cidadania, respeito à democracia, defesa da liberdade, compromissos com a ética foram transmitidas em suas crônicas, ao longo desses anos. Enquanto instrumento para a prática do bem, nosso Cleomar ético, íntegro, intelectual amplamente respeitado e admirado, engrandecendo a todos com a sua bondade e sempre manteve o coração terno, puro, cheio de amor e desprendimento. No jornal, ensinou com sabedoria; criticou com firmeza e serenidade; defendeu com eficiência seu ponto de vista; reanimava os desalentados; pelo jornal, reerguia quem um sofrimento abatera. Seus artigos, escritos com maestria, sobre livros e escritores (Osmário Santos, Gilfrancisco, Marcelo Ribeiro), artes e artistas (Márcia Guimarães, Leonardo Alencar), religião e religiosos (Senhor dos Passos), lhe enalteciam as qualidades, mas não alardeavam os equívocos que eventualmente descobrisse no texto ou na obra que lhe mereceu a atenção. Sabe Cleo, você me lembra o querido Ariosvaldo Mattos no Jornal da Bahia, aquela candura, aquele jeito todo seu de ensinar aos necessitados.
A crônica, nos dias de hoje, procura ater-se mais às coisas concretas e às relações humanas perceptíveis, necessidade da referencialidade intensiva. Nesse livro de estréia “Os Segredos da Loba", capa e ilustrações do artista plástico Leonardo Alencar, contou com o apoio cultural da Fundação Aperipê e do Governo Estadual de Sergipe. São 71 crônicas recheadas do bom tempero baiano, que tratam dos costumes, política, de amor, de boemia e outros parangolés, em sua maioria publicada no Jornal da Cidade escritas ao longo da sua permanência em Aracaju. As crônicas revivem a mesma tensão que sofre o equilibrista que anda no gume da faca e, por isso, não pode cometer o menor descuido sob pena de cair para a esquerda ou para a direita; vive um risco presente e continuado, luminoso e linear, como o imigrante, vê as coisas com olhos de estranho, e assim pode ver coisas que as pessoas com raízes mais tradicionais muitas vezes não vêem. E dessa forma multiplicaram-se a paixão solidária, o impulso incessante de criar e de amar e a capacidade de indignação ante a injustiça. Segundo ele, um intelectual, sobretudo num país como o Brasil, não tem o direito de se eximir.
O jornalista Cleomar Brandi recebeu diversas condecorações, entre elas a Medalha do Mérito Cultural Ignácio Barbosa, o prêmio ganho no concurso de crônicas, Cidade de Aracaju e o título de Cidadão Sergipano, concedido, graças à iniciativa da deputada Susana Azevedo. Os dias lhe dariam razão: "Aqui, tenho amigos, história para contar". Presença viva e forte nos círculos intelectuais da cidade, principalmente aqueles menos conformistas, e, de preferência, irreverentes, Brandi é um comunista à moda baiana, um socialista tropicalista, um anarquista moreno, um nacionalista renovado de Policarpo ou um coiote arizonense, sobretudo um apreciado de uma boa fêmea, por isso acredita em Deus, acredita no poder da fé dos Orixás.
O dia em que você partir fará muita falta, não só aos amigos, a essa doce terra que nos acolheu, mas a história do jornalismo sergipano onde aperfeiçoara sua formação, graças a fibra nordestina, nosso DNA e o verniz do aprendizado da Escola Normal da Bahia de que tanto nos orgulha. Pessoas como Cleomar Brandi está em extinção, raríssimos dos aqui nascidos são tão sergipanos quanto você. Nesta lúcida síntese, resta-nos, garantir-lhe a sua imortalidade. Foram essas credenciais e mais aquelas derivadas de sua boa formação intelectual, da seriedade no comportar-se, sempre no exercício das múltiplas tarefas impostas pela indeclinável vocação, que esse cidadão sergipano de 63 anos, reúne em forma de livro, parte significativa de sua produção jornalística.
Cleo é um poeta sensível, de alma romântica, reflexivo, amigo dos seus amigos, um cultor apaixonado da lealdade, um coração aberto para fazer o bem a todos que transitam no âmbito de sua atuação. Companheiro, estarei no dia 24 próximo (quinta feira) às 19 h na noite de autógrafo no Espaço Cultural Semear, para abraçá-lo e beijá-lo pela chegada da nova loba. Aquele abraço do irmão baiano e cidadão aracajuano, com a benção de Olorum..

SEGRASE PUBLICA LIVROS - Por Gilfrancisco Santos


Segrase publica livros pela Editora Diário Oficial

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Pós-Graduação da Faculdade São Luiz de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

A Editora Diário Oficial é um órgão suplementar da Empresa de Serviços Gráficos de Sergipe - SEGRASE, que foi previsto a sua criação no estatuto desta empresa, publicado no Diário Oficial de 29 de abril de 2008. Neste momento estamos oficializando a sua constituição, publicando as obras “De Portas Abertas” de Juraci Costa de Santana, “Litorâneos” de Ronaldson, respectivamente prêmios “Núbia Marques” (contos) e “Santo Souza” (poesia) da Secretaria de Estado da Cultura, e “Poço Redondo - A Saga de um Povo” de Alcino Alves Costa. O lançamento acontecerá no dia 17 (terça feira) de novembro às 17 h, na Sociedade Semear.

De Portas Abertas
As histórias sempre fascinaram o ser humano. Nas palavras ditas ou escritas de um bom narrador, os episódios adquirem vida. Os contos aqui reunidos falam de gente que como você têm sonhos, problemas e uma enorme vontade de ser feliz. Graças a sua inesgotável capacidade de imaginar vários ângulos de uma mesma situação, conseguindo aliar enredos envolventes à criação de uma linguagem saborosa e natural, é que os contos de Juraci na obra ‘De Portas Abertas’, revelam um trunfo raro, poucos sabem contar tão bem uma história como ele.
Juraci Costa de Santana (1959) nasceu em Itabaianinha/SE, onde fez seus primeiros estudos, antes de concluir o curso de Letras na Universidade Federal de Sergipe. Ao que parece, foi esta cidade que primeiro lhe estimulou o gosto pela ficção, foram as histórias do povo itabaianinhense, que acenderam-lhes a imaginação. O talento de Juraci Costa não tardou a fazer-se notado nesse jogo ficcional. Escritor premiado, eu diria que o ele está entre os cinco melhores contistas sergipanos. O autor já publicou: Urucunã (1997); Contos de Província (1999); História de Itabaianinha, a cidade dos anões (2003); Zé Belo e outras figuras (2005).
Através dos contos curtos, densos e ricos de sentidos, mostra o profundo conhecimento da matéria trabalhada, alguns desses contos obrigam o leitor a uma reflexão em torno da fenomenologia da consciência, uma desmontagem da linguagem e do universo semântico. De Portas Abertas, obra vencedora do Prêmio Núbia Marques (Contos), 2006, patrocinado pelo Governo do Estado de Sergipe, através da Secretaria de Estado da Cultura, traz contos monumentais, “de fato e de ficção”, feitos com a paixão necessária para compreender um povo sofrido, onde o leitor encontrará também as reflexões incisivas sobre a arte de escrever, o compromisso com a obra literária, a experiência absolutizante do poder e do amor, a luta de uma consciência pela definição dos dilemas humanos. São contos que exprimem a alma profunda da sua gente, com seu irremediável sofrimento que o atormenta, transmitindo com timbre intenso e inconfundível, a ponto de o tornar singularmente belo e capaz de retratar com veracidade a vida, sentimentos e paixões, dor e alegria de todo o seu povo.
Sabemos que o processo narrativo é uma forma especial de comunicação humana, e para existir, faz certas exigências. Não basta a presença elementar de um emissor, de uma mensagem e de um destinatário. De Portas Abertas, consegue ilustrar com clareza o pensamento narrativo do autor, fazendo o leitor entender aquilo que acontece na ficção e no real, essa obra é uma valiosa contribuição à historiografia literária sergipana, através dos bons contos, enfeixados nesta antologia, que hora publicamos.
Litorâneos
Ronaldson (1967) é um nome bastante conhecido no meio cultural sergipano, vencedor de vários prêmios, colaborador da imprensa local (Gazeta de Sergipe, Arte & Palavra, Aracaju Magazine, Cinform), desenhando, revisando ou dedicando-se a elaboração de inúmeros trabalhos gráficos, como ilustrações, capa de livros, cds e cartazes. Expôs em salões de humor e coletivas de artes plásticas como, Gravura de Inverno e Viés. Participou de algumas antologias poéticas sergipanas e nacionais. Vencedor do Prêmio Santo Souza de Poesia/2006, patrocinado pelo Governo do Estado de Sergipe, através da Secretaria do Estado da Cultura, o objetivo desse prêmio é revelar obras inéditas e estimular autores, finalmente ‘Litorâneos’ é publicado pela Editora do Diário Oficial.
Ao publicar seu primeiro livro ‘Questão de Íris’ (1997), prefaciado pelo tradutor e contista sergipano, Antônio Carlos Viana, este afirmava que o livro “resulta desse tratamento meticuloso dado às palavras, produzindo combinações sonoras e visuais a que poucos estão acostumados outro comentário positivo vem do crítico de arte Léo Mittaraquis em ‘A íris do jabuti’, “Versos em que cada palavra-chave impõe-se por si, gera conflitos, harmonias subsequentes e se explica.”
Litorâneos é um livro que enfatiza nossa terra, nosso litoral, tema constante também no livro anterior, de um autor sempre muito preocupado com a linguagem, apesar dessa coletânea trazer uma linguagem aparentemente mais despojada, o seu foco é nossa realidade marítima.
Dividido em três partes: Litorâneos, que intitula a obra e segundo o autor “queria fazer um livro praieiro, um livro caymminiano, que falasse de erotismo, praias, geografia, beleza do corpo, sol, nossas águas, enfim é a gente se voltando para nosso umbigo”; Funduras & Frugais – funduras são mergulhos nas profundezas do EU, da memória dos entes queridos e das frutas, ou seja tudo está relativo ao passado e suas reminiscências, esse é o enfoque; e finalmente a última parte Mimos Mínimos, que são os poemas curtos que remontam ao início de sua carreira de escritor, que publicava em paralelo aos poemas de muito fôlego. São poemas quase haicai (forma poética japonesa, composta de três versos).
Litorâneos é um livro que na utilização de uma linguagem cotidiana, a palavra é reduzida a mero objeto e ao empregá-la, transforma-a em campo de infinitas possibilidades expressivas. Isso possibilitou a esse poeta de profícua participação no panorama cultural sergipano, as condições fiéis para retratar estados emotivos de sua vida.
Poço Redondo - A saga de um povo
Povoação que pertencia a Porto da Folha foi elevada à categoria de cidade em 1956, Poço Redondo a 185 quilômetros de Aracaju, apesar da seca que assola o município, tem história, lugares que valem a pena ser conhecidos, como a Grota de Angico, onde Lampião morreu, ou o Morro da Letra, nas proximidades do Povoado Santa Rosa de Ermírio, cujas inscrições pré-históricas, em coloração avermelhada, ainda hoje não foram decifradas.
A história de Poço Redondo mudou totalmente na época do cangaço. Segundo Alcino Alves, dois acontecimentos do cangaço marcaram profundamente a vida dos habitantes do município: “Nenhum lugar, na vastidão dos campos sertanejos, viveu agonia tão grande e provocações tão gigantescas como o pequenino núcleo das brenhas do Riacho Jacaré. Por duas vezes, toda a população do povoado abandonou suas casas com medo da violência dos cangaceiros e da volante.”
Autor de uma série de livros, entre eles: Sertão, viola e amor; Lampião além da versão; Preces ao Velho Chico; Maria do Sertão; Sertão, vaqueiros e heróis; Canoas - o caminho pelas águas; João dos Santos – O caçador da Curituba; O sertão de Lampião. Alcino Alves Costa (1940), político festejado, por três vezes prefeito de sua terra (Poço Redondo), local que deu ao bando de Lampião, 26 cangaceiros. Histórias estas ouvidas e absorvidas por Alcino, que passou a contá-las e escrevê-las. Poço Redondo – a saga de um povo são narrativas das coisas e da vida do sertão sergipano, sobretudo administrativas, relacionadas ao município.
Ao publicar esta obra, a Editora do Diário Oficial coloca à disposição do público sergipano o importante trabalho do historiador autodidata Alcino Alves Costa, com isso busca contribuir para o resgate da memória de um dos mais expressivos municípios do Estado de Sergipe, principalmente pelo seu passado ligado à história do cangaço. Alcino é o mais conhecido explorador vivo da história de sua terra. Suas pesquisas e incursões na oralidade nos oferece um indispensável documento de referência tanto dos fatos da política local, quanto da trajetória de grandes políticos sergipanos. São relatos da vida de um povo que luta para se firmar numa região de clima inóspito e belezas singulares.