sexta-feira, 6 de novembro de 2009

CLEOMAR BRANDI - por Gilfrancisco Santos

Foto de Jorge Henrique Oliveira


Cleomar Brandi, um Professor de vida que todo aluno gostaria de ter.

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França, membro do IHGS e consultor editorial da Segrase.


"sou um homem muito feliz, porque eu não sou um homem solitário"


Cleomar Ribeiro Brandi nasceu no dia 18 de janeiro de 1946, na cidade de Ipiaú (Mesorregião Sul-baiano). Sua carreira de jornalista tem início no IRDEB - Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia, foi lá que o conheci, no tempo do historiador Cid Teixeira (Pergunte ao José). Lá Cleomar fez parte da primeira equipe de redação da Rádio Educadora da Bahia, AM e FM. Em Aracaju há 24 anos começou no jornalismo sergipano na Rádio e TV Aperipê, passando pelo Jornal de Sergipe, TV Sergipe, TV Jornal, Delmar FM, Revista Sergipe, TV Caju, Tribunal de Justiça (onde foi responsável pela revista Judiciarium. Em 2004 com o publicitário e cantor Paulo Lobo, lançam o Jornal da 13, depois transformado em revista. Sua vinda para Aracaju foi motivada pelo convite de Raimundo Luiz, que na época era secretário de João Alves, para fazer parte da equipe da implantação da TV Aperipê e logo aceitou o convite que se somou a um antigo desejo de ficar próximo ao irmão que já morava aqui.
Reencontrei Cleomar em abril de 1997, numa tarde/noite chuvosa no Bar e Restaurante Crase (hoje O Renatão), ao lado do Iate Clube), quando eu lançava pelo UNIT/Editora BDA, o livro Gregório de Mattos:o boca de todos os santos. O tempo estava molhado por uma chuva miúda, triste e constante, como diria Jorge Luís Borges, era "uma chuva minuciosa", mas nada desanimou nosso reencontro patrocinado pelo amigo editor Ubirajá Campos, uma noitada de muitos casos, muita falação sobre os companheiros das letras baianas. Recordamos dos encontros com Raulzito (Raul Seixas), Perinho Santana, Thildo Gama, Waldir Serrão, as matinés do Cine Roma, viajamos pelo interior do Instituto Normal da Bahia, onde estudamos em épocas diferentes, localizado no barrio do Barbalho, citado por Gilberto Gil na canção Tradição “conheci uma garota que era do Barbalho/uma garota do barulho/namorava um rapaz que era muito inteligente/um rapaz muito diferente”.
Comenta ele, saboreando uma loira gelada “o que bem me lembro dessas escolas é que se valorizava muito a educação formal e a leitura e redação diária eram obrigatórias, tanto assim que tínhamos que fazer ditado, dissertação, redação e composição e saber distinguir cada uma delas, o estilo e tudo mais. Acredito que isso ajudou muito em minha carreira futura de jornalista”. A partir dessa visitação, passei ao convívio amoroso e gratificante do sábio coiote, que contava várias farsas históricas dos homens públicos de Sergipe. Via semanalmente na redação do Jornal da Cidade ou o encontrava em algum boteco da cidade e sempre dávamos continuidade as lembranças da velha e triste Bahia gregoriana, em noitadas etílicas: Bar do Sapatão, Amanda, Arrumadinho do potiguar Benício, Toca do Coelho ou na residência de alguma dama de verde, ou uma socialite verdeluz. Depois da farra, levava-o até a sua residência ao lado do G Barbosa da Avenida Francisco Porto, ficava numa ruinha que na Bahia a gente chama de beco. Ia seguindo sua fofinha brasília cor de mel ao chegarmos eu retirava do carro a cadeira de rodas, o acomodava até que ele adentrasse á residência.
Por mais de uma vez o encontrei no Teimond com seu irmão, jornalista do matutino baiano A Tarde, Francisco Ribeiro, o Chico Neto, que me deu guarida nos anos 70, juntamente com o saudoso amigo Luiz Orlando e Celinha, quando me dirigia a Buenos Aires, época em que Chico morava em Porto Alegre e trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil. Bons momento passamos na Borges de Medeiros, longas caminhadas pelo Parque Farroupilha e uma bebedeira infernal no restaurante de Lupicínio Rodrigues.
Deixemos que o próprio Cleomar dê um testemunho sobre sua infância na cidade natal: "pescávamos belos piaus de cima do cais: plataforma exata para grandes mergulhos na água que nos acolhia. O grande abacateiro do quintal era a grande vigia de onde lá de cima, me sentia Robinson Crusoé, os babas com os irmãos, os filmes do Cine Theatro Éden, o cheiro do pão fresco saindo do grande forno da Padaria Minerva, a manteiga derretendo no milagre do pão quente e aberto, as histórias de assombração, as brincadeiras de guerra nas pilhas de cacau do grande armazém de Tio Coló, os bois soltos nas ruas nos dias de matança, um corre-corre danado e a gente jogava sal no fogo, pois diziam que deixava os animais mais brabos".
Cleomar Brandi, um dos intelectuais mais respeitados e admirados de Sergipe, escritor talentoso, jornalista brilhante, ético e responsável. Muitos aprenderam sobre o exercício do jornalismo sadio ao ler, os seus artigos pelas páginas do Jornal da Cidade, influente periódico da capital sergipana. Lições de cidadania, respeito à democracia, defesa da liberdade, compromissos com a ética foram transmitidas em suas crônicas, ao longo desses anos. Enquanto instrumento para a prática do bem, nosso Cleomar ético, íntegro, intelectual amplamente respeitado e admirado, engrandecendo a todos com a sua bondade e sempre manteve o coração terno, puro, cheio de amor e desprendimento. No jornal, ensinou com sabedoria; criticou com firmeza e serenidade; defendeu com eficiência seu ponto de vista; reanimava os desalentados; pelo jornal, reerguia quem um sofrimento abatera. Seus artigos, escritos com maestria, sobre livros e escritores (Osmário Santos, Gilfrancisco, Marcelo Ribeiro), artes e artistas (Márcia Guimarães, Leonardo Alencar), religião e religiosos (Senhor dos Passos), lhe enalteciam as qualidades, mas não alardeavam os equívocos que eventualmente descobrisse no texto ou na obra que lhe mereceu a atenção. Sabe Cleo, você me lembra o querido Ariosvaldo Mattos no Jornal da Bahia, aquela candura, aquele jeito todo seu de ensinar aos necessitados.
A crônica, nos dias de hoje, procura ater-se mais às coisas concretas e às relações humanas perceptíveis, necessidade da referencialidade intensiva. Nesse livro de estréia “Os Segredos da Loba", capa e ilustrações do artista plástico Leonardo Alencar, contou com o apoio cultural da Fundação Aperipê e do Governo Estadual de Sergipe. São 71 crônicas recheadas do bom tempero baiano, que tratam dos costumes, política, de amor, de boemia e outros parangolés, em sua maioria publicada no Jornal da Cidade escritas ao longo da sua permanência em Aracaju. As crônicas revivem a mesma tensão que sofre o equilibrista que anda no gume da faca e, por isso, não pode cometer o menor descuido sob pena de cair para a esquerda ou para a direita; vive um risco presente e continuado, luminoso e linear, como o imigrante, vê as coisas com olhos de estranho, e assim pode ver coisas que as pessoas com raízes mais tradicionais muitas vezes não vêem. E dessa forma multiplicaram-se a paixão solidária, o impulso incessante de criar e de amar e a capacidade de indignação ante a injustiça. Segundo ele, um intelectual, sobretudo num país como o Brasil, não tem o direito de se eximir.
O jornalista Cleomar Brandi recebeu diversas condecorações, entre elas a Medalha do Mérito Cultural Ignácio Barbosa, o prêmio ganho no concurso de crônicas, Cidade de Aracaju e o título de Cidadão Sergipano, concedido, graças à iniciativa da deputada Susana Azevedo. Os dias lhe dariam razão: "Aqui, tenho amigos, história para contar". Presença viva e forte nos círculos intelectuais da cidade, principalmente aqueles menos conformistas, e, de preferência, irreverentes, Brandi é um comunista à moda baiana, um socialista tropicalista, um anarquista moreno, um nacionalista renovado de Policarpo ou um coiote arizonense, sobretudo um apreciado de uma boa fêmea, por isso acredita em Deus, acredita no poder da fé dos Orixás.
O dia em que você partir fará muita falta, não só aos amigos, a essa doce terra que nos acolheu, mas a história do jornalismo sergipano onde aperfeiçoara sua formação, graças a fibra nordestina, nosso DNA e o verniz do aprendizado da Escola Normal da Bahia de que tanto nos orgulha. Pessoas como Cleomar Brandi está em extinção, raríssimos dos aqui nascidos são tão sergipanos quanto você. Nesta lúcida síntese, resta-nos, garantir-lhe a sua imortalidade. Foram essas credenciais e mais aquelas derivadas de sua boa formação intelectual, da seriedade no comportar-se, sempre no exercício das múltiplas tarefas impostas pela indeclinável vocação, que esse cidadão sergipano de 63 anos, reúne em forma de livro, parte significativa de sua produção jornalística.
Cleo é um poeta sensível, de alma romântica, reflexivo, amigo dos seus amigos, um cultor apaixonado da lealdade, um coração aberto para fazer o bem a todos que transitam no âmbito de sua atuação. Companheiro, estarei no dia 24 próximo (quinta feira) às 19 h na noite de autógrafo no Espaço Cultural Semear, para abraçá-lo e beijá-lo pela chegada da nova loba. Aquele abraço do irmão baiano e cidadão aracajuano, com a benção de Olorum..

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