sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

CARLOS CAUÊ, CONTISTA DE VIDA E MORTE

GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário e membro do IHGSE e do IGHBA
gilfrancisco.santos@gmail.com



Doze anos depois de estréia, público leitor aguarda novo livro


Conheci Carlos Roberto da Silva (Cauê) em 1992 durante a apresentação do recital A Poesia Revisitada, uma espécie de tributo à poesia sergipana em suas diversas fases, realizada no Palácio Olimpio Campos em 22 de dezembro, época em que Carlos Cauê fazia parte do Grupo Iñaron, juntamente com Andréa Vilela e Iêda Vilela. Fui levado aquele sarau pela amiga e poeta Iara Vieira, que havia me convidado a participar de um evento literário na capital sergipana. Pude ouvi-lo pela primeira vez aquela voz meiga, doce, curta, declamando poemas de Núbia Marques, Jeová Santana, Ronaldson, Santo Souza, Marcos Vieira, Araripe Coutinho e Gilson Souza. Cauê me causou uma boa impressão pela maneira com que aquele jovem recitava, talvez pelo fato de ser o único homem do Grupo ou quem sabe pelo resultado do exercício de muitos anos com a palavra que carregava consigo desde os dezessete anos, época em que ganhou o I Concurso de Redação promovido pela EBCT/AL.

O fato é que fiquei bastante impressionado pelo desempenho do Grupo. Soube por intermédio de Iara Vieira que o Grupo se apresentava desde 1986 e havia participado de diversos recitais nos Festivais de São Cristovão e nos Encontros de Laranjeiras, com objetivo de difundir a poesia por todos os espaços: tirar a poesia das gavetas, dos gabinetes e trazê-la ao público como um instrumento de expressão dos sentimentos. Fui reencontrá-lo no ano seguinte (outubro, 1993), no V Fórum de Poesia, realizado no Centro de Criatividade. Eu como palestrante sobre o poeta Vladimir Maiakóvski, ele com mais um recital de poesia, intitulado Centelha Rara. Foram às únicas apresentações que assistir do Grupo Iñaron. Mas, conheci sua prosa e poesia anos depois, através do Suplemento Cultural, dirigido por Célio Nunes, Arte & Palavra e mais tarde nos Cadernos de Cultura do Estudante, publicado pela Universidade Federal de Sergipe.


Estréia


Contos de Vida e Morte, publicado em 1999 pela Secretaria de Estado da Educação e do Desporto – SEED, apresentado por Maruze Reis, abras de Léo Mittaráquis, edição bem cuidada, capa de Heyder Macedo, trinta e três contos distribuídos em 120 páginas. Trata-se de uma coletânea de contos produzidos em sua fase estudantil, em que o autor vai se moldando, se revelando, buscando uma intimidade com as palavras.

Carlos Cauê estreou bem, apesar dos deslizem aceitáveis de principiante, no rigor da forma da linguagem à estrutura narrativa, soube ultrapassar o círculo autobiográfico em que giram tantos contistas modernos. Manteve em sua literatura uma característica básica: falar numa linguagem clara, coloquial, mas extremamente poética, do cotidiano de pessoas que nos parecem muito familiar, em sua forma de sentir e reagir. São contos de amor, amizade, perda, reparação, vida e morte, sentimentos que nos ajudam a compreender melhor o mundo e principalmente nós mesmos.
Tímido, reservado, fala do que gosta, escreve sobre o que sente. É um escritor que quer realizar sua vida, por isso construiu um livro revelador, que refaz ou reflete o percurso verticalmente da vida e morte, com tal riqueza, que cada frase desperta o interesse e a emoção de quem ler. O autor de Contos de vida e morte escreve rápido, não para mudar a vida, melhorar o mundo, salvar almas. Escreve para viver suas lembranças presentes na imaginação, proporcionando o prazer da leitura, que pode ser traduzido naquilo o que a ficção se propõe: divertir e emocionar.

Gênero

Sabemos que o conto é narrativa curta, que se passa necessariamente num lugar único, abrange um espaço de tempo muito curto e contém poucos personagens. Mas os contistas modernos nem sempre obedecem a velhas regras. O mais importante é o enredo ou a história, porque o desejo de contar e ouvir histórias são inerentes à natureza humana. A década de 60 ficou conhecida, no Brasil, como a grande década do conto. Dezenas de escritores foram revelados ou solidificaram suas carreiras literárias através desde gênero específico. Em Sergipe, estréia o grande contista Renato Mazze Lucas (Anum Branco, 1961 e Anum Preto, 1967):
É possível acreditar nas histórias de Carlos Cauê, no seu olho de ver o que está por trás da realidade de todo dia, escondido em camadas mais fundas. Os enredos das histórias são muito simples em suas linhas gerais, o enredo enquanto técnica narrativa e enquanto concepção do assunto. O conjunto de contos, trás, geralmente, histórias contadas na primeira pessoa, sendo os próprios narradores personagens do relato – fator fundamental para que a ilusão do real se instale imediatamente como se fosse um diálogo entre quem conta e o leitor.

Homem Político

Jornalista e publicitário, Carlos Cauê foi um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil no início da década de oitenta em Sergipe. Juntamente com Edvaldo Nogueira e Álvaro Vilela, os três montaram um forte núcleo do partido na Universidade Federal de Sergipe – UFS, de onde conquistaram o Diretório Central dos Estudantes por vários anos. Cauê foi um dos principais condutores de diversas campanhas políticas de 1988 até os dias atuais, com reconhecida atuação no cenário político sergipano.

Com uma trajetória de militância no movimento estudantil e presença marcante em vários aspectos da sociedade, o autor de Contos de Vida e Morte, Carlos Cauê, nos presenteia com uma boa amostra, independentemente do modelo constituído. Durante as comemorações dos 30 anos da anistia aos presos político foi realizado em agosto de 1999 a exposição “Anistiados couro esquecido, com trabalhos de Bosco Rollemberg, acrescidos de textos de vários jornalistas locais, entre os quais, um escrito por Cauê. Seus contos serviram de base para o espetáculo “Conto ou não Conto”, dirigido pela atriz sergipana Tetê Nahas em 2001. Cinco anos depois, Cauê escreve Viva, A vida em um ato (monólogo) interpretado pelo saudoso Luís Carlos Reis.
Reveste-se, enfim, esta coletânea, de peculiaridades, como a de manter um padrão de qualidade. Cauê confirma sua capacidade de enveredar com tranqüilidade por vários caminhos da ficção, provando seu talento como contista. Esperamos que nesse intervalo de doze anos, entre sua estréia nas letras sergipanas e a publicação deste artigo, assuma publicamente que em breve nos brindará com um novo título, para uma nova viagem.


EUCLIDES, MAIS CITADO QUE LIDO




GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário e membro do IHGSE e do IGHBA gilfrancisco.santos@gmail.com


Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha, filho de Manuel Rodrigues Pimenta e Eudoxia Moreira da Cunha, baiana, nasceu a 20 de janeiro de 1866 em Santa Rita do Rio Negro, Estado do Rio. Órfão de pais ainda jovem, fora criado pelos avós maternos no interior da Bahia, onde fez seus primeiros estudos em Salvador no Colégio Carneiro Ribeiro, terminando o secundário no Colégio Aquino, na cidade do Rio de Janeiro, onde conhece Benjamin Constant, grande republicano e seu professor, época em que colabora no O Democrata, um jornalzinho de estudantes. Em 1883, Euclides começa a escrever versos e reúne os poemas num caderno intitulado Ondas, cujos originais se encontram no Grêmio Euclides da Cunha, de São José do Rio Pardo, publicados em volume autônomo somente em 2005 pelo Martin Claret, organizado e anotado pelo sociólogo e escritor Adelino Brandão, um dos maiores estudiosos da obra de Euclides da Cunha.
Em 1885, por falta de recurso financeiro abandona a Escola Politécnica e ingressa na Escola Militar, numa época de grande efervescência política, onde permanece por dois anos, sendo excluído do Exército em conseqüência de um incidente com o Ministro da Guerra, Tomas Coelho. O fato ocorreu no dia 4 de novembro de 1888 na Escola Militar da Praia Vermelha, quando o jovem atirou seu sabre ao chão e negou continência a seu superior hierárquico num gesto de indisciplina e protesto, quando o Ministro passava em revista as tropas. Este gesto repercute na imprensa, Câmara, Senado e nas ruas da cidade, causando-lhes a prisão e exclusão do Exército a 14 de dezembro do mesmo ano, e um convite de Júlio Mesquita diretor do jornal A Província de São Paulo, atual Estado de São Paulo, principal órgão das idéias republicanas, passando a colaborar com vários artigos de caráter republicano sob o pseudônimo de Proudhon. Um ano mais tarde, retorna ao Rio de Janeiro e reingressa na Escola, e com a Proclamação da República é reintegrado, a 19 de novembro, no Exército e dois dias depois é promovido a 1º tenente e em 1891 conclui o Curso na Escola Superior de Guerra.
A partir de 1896, irrompe o movimento de Canudos nos sertões baianos, a princípio sem representar nenhum problema nacional. Sendo de origem rural, Euclides enfrenta as lutas da classe média, cuja geração se opunha à tradição católica, a religião católica do mundo ibérico. A República além de forma de governo seria a vitória do futuro sobre o passado, da ciência sobre a religião, do homem sobre Deus. Mas o novo regime não foi o sonho de quantos achavam, nem trouxe soluções para todos os problemas nacionais e para outros, os que realmente fizeram a república vêem-se as voltas com as ressurreições do passado.
Em 1897, alguns meses depois do início da Campanha de Canudos, Euclides escreve para o Estado de São Paulo, dois artigos A Nossa Vendéia, o primeiro a 14 de março, sobre a derrota das forças militares da III Expedição, que causou pânico no Rio e em São Paulo, e o segundo a 17 de julho, consistia no por que da demora e dificuldades que a IV Expedição encontraria em liquidar os “fanáticos”.
Partindo do Rio no início de agosto no navio Espírito Santo com destino à Bahia, como correspondente deste mesmo jornal para descrever a sangrenta guerra e mostrar a força da república contra o inimigo. Euclides assiste os acontecimentos da Iv e última Expedição entre 16 de setembro a 17 de outubro, são os últimos dias da guerra de Canudos, mas ele só chega ao arraial em outubro, a tempo de assistir o final dos combates e a queda da cidade santa. Os fatos vistos e ouvidos por ele serviram de tema para Os Sertões, onde descreve o dia a dia de Canudos com sua terra despida e triste, nos dando a máxima elevação histórico-filosófico. Os Sertões, publicado em 1902 relata o homem brasileiro e para ele a guerra santa não era um problema político, mas uma questão social.
Em Salvador, Euclides hospeda-se na Rua da Mangueira em casa de seu tio materno, além de correspondente era membro da Comitiva do Ministério da Guerra, passa algumas semanas fazendo visitas ao Hospital Militar e vê o amontoado de feridos da IV Expedição, percorre várias enfermarias onde colhe informações. Nas ruas movimentadas de Salvador, cheias de soldados que chegam de todos os recantos do país, a 31 de agosto, ele parte da Estação da Calçada para o interior. Durante este período, Euclides prepara algumas matérias jornalísticas, mas só a partir de 10 de setembro é que pode testemunhar as ocorrências no campo, as quais não foram publicadas por ordem de datas, mas, por ordem de chegada.
Ao retornar da Bahia, para sobreviver Euclides aceita o cargo de engenheiro civil de Obras Públicas, mas nunca seria um militar e sim um artista de grande perfeição, que só se realizaria como escritor. Encarregado de reconstruir a ponte de São José do Rio Pardo, em São Paulo, lá aproveitou os artigos que escrevera sobre a Campanha de Canudos, num total de 30, datados a partir de 7 de agosto a 1º de outubro, que reunidos no Diário de Uma Expedição, teve publicação em 1939, e as inúmeras anotações e croquis esboçados por ele no palco dos acontecimentos, em sua Caderneta de Campo, que trouxera de viagem, inicia o projeto de Os Sertões, que foi escrito quase que por “milagre” do tempo, razão pela qual retardou a publicação. Em Nota Preliminar à 1ª edição, o próprio Euclides nos conta “Escrito nos raros intervalos de folgas de uma carreira fatigante este livro, que a princípio se resumia na história da Campanha de Canudos perdeu toda a atualidade, demorada a sua publicação em virtude de causas que temos por escusado apontar.
Damos-lhe, por isto, outra feição, tornando apenas variante do assunto geral o tema, a princípio dominante, que o sugeriu.
Intentamos esboçar, pàlidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazemo-lo porque a sua instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tornam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra”.

Em dezembro de 1902 é publicada a 1ª edição, em junho do ano seguinte saiu a 2ª, o que lhe valeu o ingresso na Academia Brasileira de Letras e no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e mais uma em 1905, sendo que todas elas impressas pela firma Laemmert & Cia. Em decorrência do incêndio sofrido à Livraria Francisco Alves em 24 de dezembro de 1966, foram destruídas pelas chamas as matrizes que serviram às edições anteriores, e para a 27ª foram feitas novas composições e substituídas as ilustrações de Ib Andersen por outras de Aldemir Martins, conservando as notas e subtítulos dos capítulos de Fernando Nery, feitos para a 12ª edição de 1933.
Com a publicação do livro, Euclides transpassa os limites nacionais, e causa impacto na opinião pública por vários aspectos: primeiro por se tratar de um drama, onde enfoca a miséria e o abandono do homem do campo, 2º, por seus aspectos científicos no que provocaria discussões e 3º, os episódios dramáticos da obra, têm um sentido nacional e nacionalista. Os Sertões, livro que se encontra dividido em três partes, A Terra, O Homem e A Luta, estabelece uma divisória entre a literatura brasileira, onde o autor nos apresenta um fenômeno cultural na época desconhecido, anunciando uma nova idéia histórica. Apesar de não ser historiador e ter cometido erros imperdoáveis, por simples questões de não recorrer às fontes, como também não dá fidelidade aos fatos, pois existem vários episódios inteiramente deformados no livro, partindo dos fatos, os quais não se prendiam. O autor deformara-os, seguindo transfiguração de sua imaginação. Os Sertões é uma grande riqueza vocabular nunca vista, uma das interpretações sociais do Brasil mais apurada, e para sua época ele alcançou a finalidade a que se propunha.
Sobre o livro, Mario de Andrade registra em seu diário do Turista Aprendiz o seguinte: ”pois eu garanto, Os Sertões é um livro falso. A desgraça climática do Nordeste não se descreve. Carece ver o que ela é. É medonha. O livro de Euclides da Cunha é de uma boniteza genial, porém uma falsificação hedionda. Repugnante... Transformou em heroísmo o que é miséria pura... Não se trata de heroísmo não, se trata de miséria mesquinha, insuportável, medonha. Deus me livre de negar resistência a este nordestino resistente, Mas chamar isso de heroísmo é desconhecer um simples fenômeno de adaptação”.

Apesar dos comentários contra, é Os Sertões, uma grande obra nacional, no nível de universalizar-se com Dom Quixote de Cervantes ou Os Lusíadas de Camões. Este clássico da língua portuguesa é o começo da análise científica, uma obra de protesto, de denúncia, onde marca as desgraças inevitáveis do homem sertanejo, exercendo forte influência na prosa literária pré-modernista.
Em um exemplar da 3ª edição, pertencente a Euclides da Cunha, encontrado após sua morte em sua biblioteca, fez ele 2600 correções para a edição seguinte, que só apareceu na 5ª de 1914, como edição definitiva, e desta edição é que se baseiam as outras, mas este exemplar com as emendar feitas pelo próprio punho do autor desapareceu.