segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O JORNALISTA, AYDANO COUTO FERRAZ

GILFRANCISCO - Jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


Jornalista e poeta baiano, nasceu Aydano Pereira do Couto Ferraz em Salvador a 9 de agosto de 1914. Diplomado em Ciências e Letras, no antigo Ginásio da Bahia e em Ciências Jurídicas e Sociais em 1937 na Faculdade da Bahia, foi um dos integrantes da Academia dos Rebeldes, agremiação literária fundada em Salvador no ano de 1930, da qual faziam parte: Jorge Amado, Édison Carneiro, Guilherme Dias Gomes, Otávio Moura, Sosígenes Costa, João Cordeiro, José Bastos, Dias da Costa, Walter da Silveira e outros. Em 1939, fixou-se no Rio de Janeiro onde se dedicou ao jornalismo, tendo ocupado, entre outros cargos o de editor do O Jornal, durante a segunda guerra, e o de coordenador da redação do Correio da Manhã.
Em 1942 foi técnico em assuntos educacionais do MES e técnico de comunicação Social do MEC. Editou as revistas Educação e Ciências Sociais (1959-1962) e Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (INEP-MEC), ambas em suas últimas fases. Durante a atividade literária na Bahia e no Rio de Janeiro, colaborou no Boletim de Ariel, de Gastão Cruls e Agripino Grieco, na Revista do Brasil (III fase) de Octavio Tarquínio de Souza e Aurélio Buarque de Holanda, na Revista do Arquivo Municipal do Departamento de Cultura de São Paulo (1939-1941), no Dom Casmurro, em Diretrizes, na Revista Acadêmica, em Esfera, Vamos Ler, Convivium, Flama, Seiva e n’O Estado de São Paulo, n’O Estado da Bahia, onde foi um dos seus redatores. Na verdade, Aydano colaborou em quase todas as revistas literárias de relevo ou editadas por jovens, além de trabalhar na editoria de economia e geografia da Enciclopédia Mirador Internacional, figurando naquela publicação como um dos seus assistentes técnicos.
Ainda em Salvador, publicou em 1932 as novelas praieiras Apicuns, no dizer do crítico Carlos Chiacchio “são pequenas represas da água do mar, escondidas entre as matérias, a fulgurarem sob o sol, como uns(“ rostos de jóia sempre pulverizada e sempre recomposta...”) Aos seus vários trabalhos de ficção, novelas, no melhor dos títulos, chama-lhes de Apicuns, Aydano Ferraz. Desde logo é de ver que se trata de um escritor regionalista. A vida pitoresca dos praieiros enche-lhe as páginas de surpresas ingênuas, observações felizes, tocantes enredo. É um desfile tranqüilo de tipos do mar. Do mar – encantamento e perdição dos pescadores. Do mar – poesia e tragédia dos namorados. Do mar – alegria e esperança dos poetas. Quando se abrem, as primeira folhas datilografadas dos Apicuns sente-se já que um pintor de marinhas está ali a nos surpreender com as suas distancias verdes de águas e os rebuliços brancos de espumas nas praias.”
Em 1935, Aydano lança o livro de poemas Cânticos do Mar, onde o jovem poeta idealista traça um panorama da realidade. Apaixonado pelo mar, contemplativo “que, mesmo na hora mais trágica por que já passou a humanidade, não cora ao afirmar”, segundo o amigo Édison Carneiro:

Esta aletria de rever o mar sem tempo para a contemplação.
De vê-lo serenamente enquadrado no horizonte,
limpo de velas, de mastros e de ruído das dragas do porto.
- Um mar soberano, sem a vassalagem das ondas...
Afastado durante bastante tempo da seara das letras, para dedicasse ao Partido Comunista, publica em 1983 mais um livro “ Os poemas Perdidos e seu Reencontro” , belos poemas datados da Bahia, 1936, do Rio de Janeiro, 1938 e outros de Brasília, 1983, onde vamos encontras a presença do mar da Bahia, do amor e da esperança. São poemas românticos, afetivos cheios de intensidade. O seu amor aos homens, à justiça e à liberdade, esteve sempre presente em seus textos.
Portanto, Aydano Pereira do Couto Ferraz se realizou amplamente como jornalista, foi diretor de jornal e revistas, mas sobretudo poeta. Teve em vida duas grandes vocações a poesia e a política. E assim ficou a vida inteira, fiel à sua condição inicial, à sua primeira vocação.

A poesia não morre.
Si uns poetas fazem títulos
e abandonam a musa num canto de redação
é natural que ela fuja e se revele adiante.
De manhã outros poetas recolherão a poesia
andando nas ruas calmas
como ela andava de noite nos tempos do romantismo.

Juntamente com Edison Carneiro e Martiniano Bonfim assinam o prefácio do livro O Negro no Brasil, publicado pela Editora Civilização Brasileira, 1940, resultado dos Anais do 2º Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Salvador entre 11 a 20 de janeiro de 1937. Aydano assina ainda neste livro, o texto “Castro Alves a poesia negra da América”. O escritor baiano faleceu em 1985.
Publicações:

Apicuns. (novelas praieiras). Salvador, 1932
Cânticos do Mar. A Gráfica, 1935.
Pequena História da Caricatura no Brasil, 1942.
Os Poemas Perdidos e seu Reencontro. Rio de Janeiros, Editora Civilização
Brasileira/INL, 1984. (texto: Enio Silveira).
A Luta do Símbolo. Belo Horizonte, 1985.

LÁBIOS-ESPELHOS, NOVA LÍRICA DE MARIZE CASTRO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

LÁBIOS-ESPELHOS, NOVA LÍRICA DE MARIZE CASTRO - O amor e a sexualidade revisitada e revivida

A poesia no Rio Grande do Norte apresenta dois momentos culturais da maior plenitude literária e (anti) literária: a publicação do Livro de poemas da principal figura do modernismo local Jorge Fernandes (1887-1953), em 1927 e o lançamento local da poesia concreta, em 1966, com o seu posterior desdobramento no poema/ processo, tendo Moacy Cirne como principal expressão. O Rio Grande do Norte sempre teve bons poetas: Auta de Souza, Zila Mamede, Palmyra Wanderley, Maria Lúcia Lima de Macedo, Myriam Coeli. A jovem Marize Castro uma das mais importantes poetas, senão a mais representada é figura de proa da moderna poesia norte-rio-grandense. Sua obra tem especial significado na historiografia literária, entre outras razões por ter conquistado um espaço inóspito que predomina as vozes masculinas.
Se a história não escreve poemas de alguma forma é ela que lhes abre a possibilidade de nascer, por meio de circunstâncias e acidentes, valores e representações convencionais, como instrumento histórico de sua poesia. Nos anos oitenta, principalmente no Nordeste Brasileiro encontrava-se a poesia com seus cânones, regras e normas estabelecidas. O rompimento com as amarras poéticas dominantes e a busca de uma palavra menos contaminada se inscreve como necessidade básica de preservação de sua poesia, ante as ameaças.
A publicação de Lábios-espelhos, pela Una, 2009, sua quinta obra poética, procura nunca perder de vista o leitor que se disponha a freqüentá-la. Um livro de 106 páginas e 42 poemas, que convém ler e que confirma a importância da boa poesia norte-rio-grandense. Madura e consciente de sua missão poética, nada se perdem em seus versos curto e conciso. Ao definir sua obra, Nelly Novaes Coelho diz ser “sua linguagem, oscilante entre prosa e poesia, nutre-se dos principais mitos e musas da literatura ocidental, tal como os ventos da pós-modernidade o vem exigindo”.
Sua obra é um processo em construção, com um modo único de fazer poesia. Uma poesia suave, serena que se chama amor, para acalentar as camas vazias, as bocas silenciosas, os corpos trêmulos, os olhares oblíquos e as mãos envelhecidas. Uma poesia para quem precisa de um sonho, para todos que trazem uma dor profunda do peito. Porque a dor está em tudo, espalhada por todos os cantos do planeta, por todos os cantos de nós. Os sentimentos mudam, mas a dor persiste.
Observar, analisar um texto literário é investigar as suas características estilísticas, porque cada autor desenvolve técnicas próprias e revela uma particular concepção de mundo. Marize Castro produz uma poesia curta, rápida, direta, incisiva, impactante, com grandes momentos luzentes, com fonte de luz em meio às sombras da ausência. A presença do erotismo recorrente em sua obra, agora ressurge com força singular que traduz expressivamente com a magia criadora que lhe é peculiar. Uma poesia do desejo, do amor, erguida pela dor como meio de aliviar a árdua vivência de uma paixão. Marize retoma aos temas mais comuns aos humanos e mais uma vez, exercita sua poética transparente de perdas luminosas, que transitam entre o amor e a ausência. Nesse mundo subjetivo, tudo ganha vida, tudo é cor, sem concessões.
Os poemas de cada novo livro publicado por Marize Castro abrem as portas de uma viagem cheia de encantos, fundamental para se entender a obra lírica marizeana, nos desvendando toda a sua força rítmica e expressiva. A autora tem o poder de levar consigo o leitor para dentro do universo de cada poema, oferecendo-lhe situações que conduzem direto ao âmago do ser humano. Enfim, Lábios-espelhos, poesia de fino afeto que mergulha nas possibilidades internas da linguagem, conduzindo o leitor moderno para aquele mundo de sonho onde o princípio da realidade é dominado pelo princípio do prazer.
O amor e suas múltiplas formas de manifestação são apresentados: a mulher, sua beleza e atração, a carne e o desejo, percorrem toda sua obra, multiplicando-se em imagens e figuras de linguagem que lhe dão consistência e permitem com os quais construírem sua visão da mulher e do sentimento amoroso, especificamente o poema “Lábios-espelhos” que se propõe como se fora um ritual próprio da ocasião, onde a corrente se estabelece e a comunicação se faz, para que a emoção se ritmasse em verso e se exteriorizasse em poesia. Portanto, o amor, a atração dos corpos não precisa justificar, tem seu próprio sentimento de completude, às vezes, amor e desejo de algo que se quer e não se tem, como se ver em Platão, ao buscar a definição de amor.
Um exame mais atento da poesia de Marize Castro mostra que o sentimento erótico tem nela um lugar importante. Embora às vezes esse sentimento se apresente dentro de um clima de tristeza e ternura. Senhora da situação, liberta das imposições para se entregar à poesia de verso livre em pacífica convivência com o equilíbrio e sabedoria, livre da tutela, a poeta atinge o ponto máximo de amadurecimento e a conquista da harmonia. Aqui, tanto a distância como a idealização da mulher amada se materializam nos afetos da saudade.
Assim é Lábios-espelhos, de Marize Castro, uma experiência decisiva de segredos, fantasias e inquietações, desvendadas pela autora que navega por dentro das veias abertas dos sete sentidos. Uma poesia femina, sáfilica, bilitisana que se faz carne, sangue e brota do próprio corpo ferido pela chama. Em lugar dos frutos do ventre e dos produtos de suas mãos laboriosas, mostram a entrega das amadas entre si, as ternuras do coração, das quais os homens por desatenção continuam excluídos. E num desabafo exclama: a poesia não é só adorno, artifício literário; pode ser também testemunho de vida autêntica. Não é só sentimentos, é também reflexão, raciocínio, desejo de compreender e não apenas sentir.

Dois poemas de Marize Castro

Devolva-me

Devolva-me a cólera, a lanterna mágica,
que transportei comigo enquanto te amei.
Devolva-me a morte, a doença, a saúde,
o caos, o cais, as âncoras, o segredo,
teus ataques me deixaram forte
teus gozos me atingiram a alma
me fizeram odiar o amor.
Devolva-me a fantasia, as árvores sólidas
plantadas à margem de um delicado homem
que caminhava certo para a sabedoria dos pássaros.
Devolva-me o néctar, o túmulo dos milagres
a liberdade dos escândalos, os bosques, a lei da botânica,
a letargia da não-paixão,
o doce repouso nas águas da noite.

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Lábios-espelhos

Espere-me lá fora.
Ainda não estou pronta.
Esqueci meu colar de estrelas
Meu kimono
Minha zori
Meus adereços de gueixa.
Minha língua te recompensará.
Ela (esfomeada) saciará tua fome.
Ela (sedenta) te levará ao leito
mais próximo.
Ela (saliva e cristal) revelará o enforcado
- seu destino, sem nome.
Espere-me lá fora.
Aqui há um naufrágio púrpuro,
um rio de mel que corre entre lábios-espelhos.
Dele, sou filha.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

MORRE O POETA ILDÁZIO TAVARES

GILFRANCISCO, jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


Por solicitação do editor chefe do Caderno B (Variedades), da Tribuna da Bahia, Jolivaldo Freitas fui designado a escrever uma matéria de página sobre o poeta “Ildázio Tavares e a poesia da realidade”, publicada na edição de 7 de dezembro de 1987, ilustrada por seu amigo Caribé. A matéria tinha como enfoque a trajetória do poeta e seus novos projetos para a literatura baiana. Esta semana fui surpreendido com um e mail da professora e poeta baiana, Maria da Conceição Paranhos, que comunicava a morte do poeta irreverente.

Aos 70 anos, faleceu dia 31 no Hospital Jorge Valente, em Salvador, onde estava internado desde o dia 27 de outubro, vitima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Ildázio Marques Tavares natural da Fazenda São Carlos, hoje cidade de Gongogi, região do cacau da Bahia, em 25 de janeiro de 1940. Filho de Eduardo Tavares e de Hilda Marques Tavares, mora em Ubatã até os 4 anos e de lá muda-se para Feira de Santana onde permanece até os nove anos, quando fixa definitivamente residência em Salvador. Na cidade de Tomé de Souza conclui sua educação primária e secundária, ingressando aos 18 anos na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, onde exerce suas primeiras atividades literárias, publicando artigos, contos e poemas em revistas e jornais acadêmicos local, de outros estados e do exterior, tendo poemas seus traduzidos para várias línguas
Em 1969 conclui o curso de Letras Vernáculas e língua estrangeira na UFBA, seguindo carreira como professor de Literatura, tendo feito o Mestrado na Southern Illinois University, o Doutorado na UFRJ e um Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa. Foi tradutor e professor de inglês e literatura americana durante 19 anos. Ildázio viveu alguns anos fora do Brasil tendo sido professor visitante em universidades norte-americanas.

Tendo participado de inúmeras antologias de poesia e contos, gênero que praticou com grande desenvoltura, pertenceu à geração da Revista da Bahia, (sendo editor-Adjunto, em sua 2ª fase, nº8, março/1988) juntamente com outros autores baianos, como Cyro de Mattos, Marcos Santarrita (sergipano), José Carlos Capinan, Fernando Batinga, Alberto Silva, Rui Espinheira Filho, Carlos Anísio Melhor, Nélson de Araújo (sergipano) entre outros. Publicou seu primeiro livro de poesia, Somente um Canto, em 1968 e continuou publicando livros de poesia e de prosa (romances, teatro e ensaios). Como compositor da música popular brasileira teve mais de 50 músicas gravados por Vinícius de Moraes, Maria Bethania, Maria Creuza, Alcione, Toquinho, Nelson Gonçalves, Antonio Carlos e Jocafi. Entre os seus parceiros estão Baden Powell, Vevé Calasans, Gerônimo, e Carlinhos cor das Águas.

Conhecido Por seu humor fino e mordaz, Ildázio publicou 42 livros, sendo 15 de poesia. Vejamos alguns títulos:
Somente um Canto (1968)
Imago (1972)
Ditado (1974)
O Canto do Homem Cotidiano (1977)
Poemas Seletos (1977)
Tapete do Tempo (1980)
A Ninfa (1993)
Odes brasileiras (1998)
Nove sonetos da Inconfidência (1999)
Flores do Caos, sonetos (2008)


Ao longo de sua trajetória, Ildázio Tavares recebeu uma série de prêmios e títulos por seu trabalho como tradutor, ensaísta e poeta. Foi o autor da ópera afro-brasileira “Lídia de Oxum”, com música do maestro Lindembergue Cardoso, levada às margens da Lagoa do Abaeté, em Salvador, para um público de cerca de 30 mil expectadores.

Salve as Folhas
Letra Ildázio Tavares
Música: Gerônimo
Intérprete: Maria Bethânia (CD Brasileiro)

Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Quem é você e o que faz por aqui
Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou aroni
Cosi euê
Cosi orixá
Euê ô
Euê ô orixá
Sem folha não tem sonho
Sem folha não tem festa
Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Eu guardo a luz das estrelas
A alma de cada folha
Sou aroni

Fortuna Crítica

Seus versos, que eu sei e percebo trabalhados minuciosamente, são, não obstante o seu apuro técnico, tão maravilhosamente simples, que parecem, em muitos casos, recolhidos de um cancioneiro popular. A sátira – excelente – é conduzida com maestria e imaginação e, realmente acho que você fez um belo e duradouro livro sobre a grande batalha do dia a dia. Como lhe disse pessoalmente, os beletristas não vão gostar, se bem que naturalmente, eu não esteja com isso querendo chamar todos os que não gostarem de beletristas.
João Ubaldo Ribeiro
Sobre o livro O Canto do Homem Cotidiano, 1977
***


Onde o poeta, com economia de palavras, disse tanto, não cabe ao prefaciador escrever demais. Em Ildázio Tavares, com Imago como com este Ditado, é fácil conhecer e compreender a alta qualidade do poeta. Em primeiro lugar, pelo domínio da arte poética, na linguagem de síntese que é sua essência. E ainda pela capacidade de, nessa linguagem, praticar aquilo que Brecht ensinou: as diferentes maneiras de dizer a verdade.
Nélson Werneck Sodré
Sobre o livro Ditado, 1974

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Ildázio Tavares, poeta, contista, ensaísta, compositor, não é um estreante nem uma promessa, seu nome já se fez conhecido e transpôs os limites estaduais há bastante tempo. Por outro lado, sua presença no meio intelectual baiano é permanentemente catalítica: Ildázio está presente e atuante nos diversos setores da jovem cultura que ali nasce e se afirma – não se deve esquecer, para citar apenas um exemplo, sua ligação com a dupla de compositores Antonio Carlos e Jocafi,sendo co-autor, letrista de várias das composições dos moços de tanto sucesso.
Jorge Amado
Posfácio do livro Ditado, 1974
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Num de seus versos, ele diz: “Há pedaços de minha vida em toda parte”. Neste papo, tentou-se recolher, através de sua palavra, esses instantes, pedaços de seu agora e do seu ontem. A infância sim, o menino a olhar para um catavento colorido, solto nas ruas de Feira de Santana, fantasiado de pierrô, lança-perfume à mão e nos olhos dos passantes, Rodouro do Brasil segundo era de bom tom. Já não se faz micaretas como antigamente. A trajetória do poeta, do letrista de música popular, do autor teatral, enfim do romancista. E do homem. Seu tempo de procuras e descobertas. Um olhar sobre o passado, um guardado gesto de rebeldia, uma reflexão: 1968 vai fazer 20 anos. Já não é tão jovem pra medir conseqüências. Mas abre o coração.
Guido Guerra
Entrevista ****

Ildázio Tavares é um inventor, um catalisador de imagens, um mestre que faz com que a explosão poética nasça de seu ar de conversa e seu ar de silêncio, pois percebeu “de sol em sol, que a luz é fosca”. E vem esse êxtase, este levantar da palavra no redemoinho mágico dos períodos-versos, entre elos que estremecem. O percurso é o da fala descontraída, monologadora, para a linguagem. O que desencadeia esse elo explosivo ora é uma pergunta, ora uma resposta, ora uma centelha rodeada de coisas-infância, ora debruçar-se sobre a própria criação, ou certo pavio atiçado na pólvora da realidade.
Carlos Nejar
Sobre o livro Odes Brasileiras 1998

O REBELDE ALVES RIBEIRO

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com


José Alves Ribeiro nasceu em 11 de maio de 1909, na fazenda “Caldeirão Coberto”, município de Camisão, hoje Ipirá (onde nascera seu conterrâneo o ensaísta, tradutor e crítico literário, Eugênio Gomes, 1897-1972), situada na Mesorregião Centro-Norte Baiano, a mais de 100 km de Salvador, na qual seu pai era vaqueiro. Em 1912 seu pai foi despedido da fazenda, mas a essa época já havia adquirido um sitio nas matas do município vizinho, Baixa Grande, tendo deixado de trabalhar como empregado progrediu bastante, a ponto de ascender em poucos anos num modesto pecuarista.
O jovem Alves Ribeiro, filho de Laurindo Ribeiro e Maria Alves Ribeiro, na época o caçula da família, aprendera a ler sem freqüentar a escola. Além de ajudar os pais e os irmãos mais velhos nos trabalhos da lavoura, plantando e colhendo cereais, lia avidamente o que lhe chegava às mãos. À noite sob a luz de fifó (candeeiro), lia para os trabalhadores nas farinhadas: A história do Imperador Carlos Magno e Os Doze Pares de França, livro obrigatório nos serões da zona rural. Somente mais tarde, pode freqüentar a escola pública da sede do município.
Em dezembro de 1920 realizou sua primeira viagem à Salvador, juntamente com seus pais, e na capital baiana deixaram o caçula com seu padrinho, o coronel José Presídio Figueiredo, pai do jornalista Joel Presídio, onde concluiu no ano seguinte os estudos primários, no Colégio Pedro II. O curso ginasial foi iniciado no Carneiro Ribeiro (situado na ladeira da Soledade, próximo a Lapinha) e concluído no Ginásio São Salvador (situado na rua J.J. Seabra, Barroquinha).
Das doze disciplinas cursadas, exigidas na época ficou na dependência de suas: álgebra e geometria, por isso abandonou temporariamente os estudos, para reiniciá-los em 1930, quando foi beneficiado por um Decreto-Lei do governo da Revolução de Outubro, que considerou base de aprovação estudantil, sua freqüência, o que lhe possibilitava dispensa das referidas matérias, e assim poder fazer exames de admissão à Faculdade de Direito da Bahia, em principio de 1931.
Os longos anos em que passara em companhia do padrinho Presídio tiveram uma importância muito grande na formação de seu espírito, e certamente em sua orientação intelectual. Ali desenvolveria o interesse pelas leituras, o que acompanhou por toda a vida. Em sua nova residência encontrara muitos livros que os decoraria com avidez, onde iniciando sua atividade literária, com as primeiras colaborações na imprensa carioca na revista ilustrada, O Malho, que circulou a partir de setembro de 1902 a janeiro de 1954, e em Salvador na revista, A Luva (1925-1932), onde aparecem seus primeiros versos, muitos deles inéditos, constituídos nos moldes simbolistas, fariam parte dos volumes “Nirvana” e “Noivo da Morte”, cujos originais foram consumidos pelo DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), órgão da Policia Política do Estado Novo, além do volume de ensaios “Tendência do Espírito Moderno” e seu arquivo particular dos trabalhos publicados (crônicas, poesias, criticas de livros, artigos literários e políticos) em jornais e revistas.


A década de 20, aliás, e uma boa parte da seguinte, foi para Alves Ribeiro ativa em sua vida intelectual. É de 1928 o lançamento da primeira revista modernista baiana, ligada aos Poetas da Baixinha, Samba – Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento (nov. 1928), onde publica o manifesto “Samba”. É o ano da fundação com um grupo de outros jovens, da Academia dos Rebeldes (1928-1932), se fez presente no único número da revista modernista baiana “Meridiano” – Revista de Vanguarda (nº1, set. 1929), com três textos “A arte de desagradar” entrevistando Pinheiro Viegas e “Poema instantâneo”, ambos assinados, além do editorial manifesto da revista. Segundo depoimento de Jorge Amado, amigo e companheiro do poeta confirma sua autoria em artigo publicado no jornal A Tarde, edição de 29. jun. 1975: “Alves Ribeiro – o hoje ilustre juiz do Tribunal do Trabalho Doutor José Alves Ribeiro – no primeiro número da revista Meridiano, órgão dos Rebeldes, em editorial não assinado mas de sua exclusiva autoria, traçou os rumos de sua literatura de sentido universal porque plantada na realidade da vida brasileira, na tradição e no caráter original. Teorizando sobre criação literária no Brasil, o ensaísta adolescente opunha aos modismos europeus que dirigiam os movimentos ditos modernistas (em contraposição a elas, nós, os Rebeldes, nós afirmávamos modernos e não modernistas) uma literatura de problemas, temas, forma e seguimento brasileiro, resultando desse conteúdo nacional sua expressão universal”. Dissolvendo a Academia dos Rebeldes, cada um dos integrantes do grupo, tomou seu próprio rumo, e Alves Ribeiro afastou-se das letras. Durante algum tempo dedicou-se a advocacia, sendo nomeado a suplente do Conselho Penitenciário do Estado, em seguida contratado como professor de criminologia do curso de comunicação da Faculdade de Filosofia. Posteriormente por concurso ingressa na Justiça do trabalho, como Juiz da 5ª Região, sediada na Bahia de cuja Corte exerceu mais de uma vez a presidência.

Entre 1975/1976, conservando um das suas antigas características de rebelde, Alves Ribeiro publica por conta própria, para distribuir entre os amigos numa edição bastante simples (econômica), sem nenhuma referência sobre o autor, dois pequenos livros de poemas: “Sonetos de maldizer” (vinte poemas) e “Sonetos de bendizer” (dez poemas), pequena amostragem insuficiente para conhecer de sua obra poética. Apesar de escolher uma forma poética antiga, o soneto predominou no Classicismo e no Parnasianismo, foi cultivado por poetas de todas as épocas. Em geral, ele contém um tema tratado de maneira condensada, daí o efeito sobre o invulgar” leitor, Entretanto, esta escolha foi onde ele encontrou a forma mais exata para dimensionar seus sentimentos. Em ambos os livros, conseguem transmitir uma mensagem lírica em forma nova, onde a beleza é essencial. Sobre os livros comentar Jorge Amador na época da publicação: “são sonetos de amor da mais alta qualidade, de uma perfeição, de um oficio raros, cortados por um sopro lírico.
Poeta, cronista e ensaísta, Alves Ribeiro era o grande líder da Academia dos Rebeldes, aquele que soube realmente abrir novos caminhos para os companheiros. Colaborou em diversos periódicos: A Luva, Etc., Meridiano, O Momento, O Estado da Bahia, Diário da Bahia, Flama, A Noite, A Bahia, Diário da Tarde (Ilhéus) e em outros Estados. No Rio de Janeiro, colabora em vários periódicos: Dom Casmurro, Boletim de Ariel e O Malho. Faleceu em 27 de janeiro de 1978.


Livros Publicados:

Homenagem a Alves Ribeiro (João Cordeiro). Salvador, Edições da Academia dos Rebeldes, 1931.

Sonetos do Maldizer (20 Sonetos). Salvador, Gráfica da UFBA, 1975.

Sonetos do Bendizer (10 Sonetos). Salvador, Gráfica da UFBA, 1976.

A Cinza do Tédio (Inédito)

***

A Lição do Mar

Alves Ribeiro

Poeta, si queres aprender o sentido da vida,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.

Quando te sentires vencido pelo cansaço e pelo desânimo
para as grandes lutas do espírito,
e a terra te parecer inútil e pequenina para o teu sonho,
e os homens todos, uns vermes insignificantes,
- quando tiveres perdido, em suma, o gosto de viver, -
vai procurar o mar e mira-te em suas águas.
Ele é o símbolo do movimento, que não pára, da vida, que não pára.

Poeta, si queres ser grande e ser perfeito,
dá a teus versos o ritmo das ondas do mar.
Ele é a semente de toda criação,
é a própria fonte da vida,
porque toda vida vem do mar.

O mar é o grande mestre da vida:
a atração de suas moléculas
é o exemplo vivo da união e da força,
sem o que é impossível, na terra,
a conquista da felicidade entre todos os homens.

Por isso é que se compara a multidão ao mar.

Poeta, se queres aprender o sentido da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar
(e os poetas sempre foram os grande precursores da liberdade,
porque aprenderam a cantar inspirados na música do mar
que é a música da liberdade).

O mar é o princípio da libertação:
de sua contemplação é que nasceu o sonho dos primeiros navegantes e
[dos primeiros revoltados
em busca de novos mundos e de novas formas de vida,
em que os homens pudessem ser mais felizes sobre a terra.

Poeta, si queres aprender o sentido da vida e da liberdade,
aprende, primeiro, a interpretar a lição do mar.

Aracaju. Época, Ano I. nº 2, out/nov. 1948.

domingo, 7 de novembro de 2010

O REBELDE JOÃO CORDEIRO (1905-1938)

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com

João Cordeiro me faz recordar a fase mais interessante da minha vida. Nós éramos uns garotos e fazíamos, sob as ordens de Pinheiro Viegas, a parte de pasquim da literatura baiana. Tínhamos uma Academia dos Rebeldes, que amávamos apesar de todo o ridículo que a cobria. Tentamos fazer o saneamento intelectual da boa terra.

Jorge Amado


***

Pertencente a Academia dos Rebeldes (1929-1931), tendo como companheiros Jorge Amado, Edison Carneiro, Dias da Costa, Sosígenes Costa, Da Costa Andrade, Alves Ribeiro, Pinheiro Viegas, Guilherme Dias Gomes, Walter da Silveira, José Bastos, Aydano do couto Ferraz e outros. A agremiação literária fundou duas revistas: Meridiano (1929) e O Momento. (1931-1932).

Nascido em Salvador a 2 de março de 1905, o romancista faleceu nesta mesma cidade a 7 de abril de 1938, era filho de João da Cruz Cordeiro e Maria Elvira de Castro Cordeiro. Em Salvador a família morava à Rua Nova de São Bento, 60 e tinha os seguintes irmãos: José, Aryval, Dyla e Ilza. Como membro da Academia dos Rebeldes, colaborou em vários periódicos: O Jornal, Etc., O Momento, Boletim de Ariel, entre outros.

A publicação de Corja, que deveria se chamar “Boca Suja” foi uma grande revelação nos meios intelectuais do país. Um romance que marcou uma afirmação de talento e independência espiritual, uma literatura fora dos preconceitos sociais e do pieguismo doentio da época. João de Castro Cordeiro escreveu um romance realista, dinâmico e livre, sem o carrancismo gramatical e as preocupações pronominais, em franca decadência da própria evolução da língua, que veio para marcar uma época.
Considerado um dos espíritos brilhantes da mocidade inteligente da Bahia, João Cordeiro inicia seu romance, descrevendo um grande incêndio no Terreiro de Jesus, onde numa fogueira enorme arde em montões de cinzas, a velha faculdade de Medicina. Enquanto este acontecimento abalava a população sobressaltada, no Campo Grande, uma pobre mulher, se estorcia de dores, num parto complicado. E Assim nascia, entre as chamas dos sofrimentos maternos, e as labaredas de um grande incêndio – Policarpo – esse grande herói, de João Cordeiro, o tipo do boêmio meio maluco, meio cínico e meio sentimental, como caracterizou Édison Carneiro.
O crítico Agripino Grieco se referindo à construção do livro diz: “O lado baiano do romance, com o aspecto popular de ruas e becos, noitadas boemias e cenas de tascas, soube o autor detê-lo em instantâneos vivazes, colhendo no vôo as notas típicas de algumas vidas prosaicas ou inquietas. Sente-se o pendor para desfigurar satiricamente as personagens da política ou do clero, que evidentemente detesta, mas a morte de Luciano, o noctâmbula que tem o nome do belo herói de Balzac, emociona os leitores, dando ao volume um bocado de poesia azul, que o Sr. João Cordeiro, envergonhado talvez dos seus cinco minutos de romantismo, se apressa em desfazer, pondo a amante do morto as velas com um sucesso imbecil”.
A sua vida de menino traquina, cheias de maldades inocentes e aventuras atrevidas, muito cedo perdeu seu pai, ficando a viúva numa pobreza franciscana. Na escola de dona Xandoca pintou o sete, sendo logo expulso por indisciplina. Internado no Liceu, como aluno gratuito, era obrigado a escolher um oficio, o que prontamente preferiu o de tipografia. Com um ano de Liceu suportou toda sorte de humilhação e sofrimentos, fugindo numa noite para casa de sua amante, “Minha Negra”.
Em seguida se matricula na escola do professor Posidônio Coelho, um dos mestres mais afamados do seu tempo, abandonando os seus antigos amigos, divertimentos para somente nos livros encontrar conforto. Essa nova etapa em sua vida duraria pouco tempo, pois ficou impossibilitado de continuar os estudos por questões financeiras, resolveu empregar-se como caixeiro da Livraria Carangugi. Com dinheiro no bolso, Policarpo se iniciava na realidade na vida, com uma estréia das mais desastradas. Mesmo com todos os seus sofrimentos, se julgando feliz, inicia-se com a amante nas farras e se envolvendo em escândalos e conseqüentemente na perda do emprego.
Aconselhado por seu tio, Dr. José Praxedes, seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar em seu escritório de advocacia. Na capital federal, após envolvimentos com outras mulheres, senti-se desiludido da vida, do mundo e das mulheres, restando-lhe retornar a velha Bahia, de coração arruinado e envelhecido. Tempos depois retoma a vida boêmia. Agora, na qualidade de funcionário público, somente comparecia a Repartição no fim do mês para receber os vencimentos. O livro termina com a regeneração completa de Policarpo (herói bem representado: mal educado, revoltado, pornográfico, pois seu nome em criança era Boca-suja), casado, feliz e já sem saudade da sua grande vida de boêmio.
Corja, publicado em 1934 no Rio de Janeiro pelo editor Galvino Filho com texto de apresentação de Jorge Amado é um romance de emoção, de grande fôlego, que segundo Édison Carneiro, “o seu romance terá um sentido marcadamente revolucionário. Em vez do Policarpo Praxedes palhaço da burguesia, teremos neste novo romance de João Cordeiro a visão exata, e por isso mesmo cruel, da humanidade que se definha nas salgadeiras, nos trapiches, nos armazém das docas, para pagar com o seu suor as amantes, as bebedeiras e os palácios dos capitalistas”.

VINTE E SETE DE MAIO, OITENTA E SETE

GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. gilfrancisco.santos@gmail.com
Pequeno. Vivo o olho segue o traço,
a união, o verso, a trama, a história,
a pupila corusca, agita-se a memória.
Gilfrancisco palmilha tempo e espaço:

e os percorre sem pressa, passo a passo
enquanto ao lado deita toda a escória
e medita o fracasso e colhe a glória
que analisa e examina. O estardalhaço

não perturba sequer o seu sorriso
jovial e até mesmo rubicundo
que ele sabe explodir quando é preciso.

E assim, na alegria, vence o mundo,
tantas letras e letras. De improviso,
Dá-lhe um soneto o poeta vagabundo.

Bahia, 27. maio. 1987



Ildázio Tavares (1940-2010)